sábado, 21 de maio de 2011

ARTIGO

As surpresas do neo-arabismo*


Fernando Pedrão**

O arco de alianças dos Estados Unidos com as nações européias colonialistas de repente encontrou-se diante de uma realidade chocante que não deveria ter surpreendido se não fossem tão auto-suficientes. Agora estão entre uma diplomacia européia vacilante e uma política norte-americana – provisória – de recuperar imagem. Antes que acabem de adotar políticas formais de rejeição a Kadafi ele terá ganho a guerra e invalidado as gatimonhas de Sarkozy, Zapatero, Cameron et allere. O fim dos rebeldes líbios será um dano colateral que os europeus lamentarão, mas não mudará sua política de imigração. Daqui vemos esses grandes movimentos como um novo rebatimento da crise do capitalismo, que começou nos anos 1980 na periferia avançada, rebateu na Europa nos 1990, refluiu aos Estados Unidos nos 2007, à Europa do sul e chega ao mundo árabe esmagado por um desemprego crônico. É um desemprego funcional ao fato de que os Estados Unidos têm apoiado pseudo-monarquias e verdadeiras ditaduras que concentram riqueza ostensiva de dirigentes e mantêm o povo como massa. Começou na Tunísia, não só por estar junto da França, mas porque ali e no Egito formaram-se grupos mais numerosos de jovens qualificados que não encontram emprego e são rejeitados pela grande casa matriz do colonialismo. O quadro também mudou porque a crise que chegou ao Mediterrâneo norte pela Grécia estende-se a Espanha, Portugal, Hungria, Irlanda, com a Itália já andando na prancha, humilhada pela figura grotesca de Berlusconi. A Fortaleza Europa fechou-se com os germânicos dentro e os “latinos” fora das muralhas.


Mas a crise “árabe” reservava surpresas na Líbia, no Iêmen e agora – surprise, surprise – na Arábia Saudita. Obviamente, não há mais lugar para a aliança paranóica dos Estados Unidos com Israel, que tem tido carta branca para aterrorizar, assassinar e aproveitar-se da ditadura egípcia. Não é difícil perceber que os norte-americanos estão fazendo uma re-engenharia de sua política externa diante de uma China incontível. Não lhes convêm novos envolvimentos custosos, menos ainda para atender aos medos da Espanha e da Itália e à cobiça da França. Não há porque pensar em termos de um grande movimento árabe unificado, mas não há como escapar de ver que as soluções locais tornam-se peças de um xadrez continental. O movimento pode chegar ao Marrocos e à Mauritânia. Os negros podem voltar a imitar os árabes. É inegável que há um protagonismo da Turquia, que tem tido resultados econômicos significativos e exerce liderança sobre diversas nações. De outro lado, há um protagonismo do Irã, que capitaliza sua resistência ao “Ocidente” e se torna referência como e enquanto espaço nacional inviolável. De passagem, é hilariante a pretensão da AIEA, títere dos Estados Unidos, de exercer pressão sobre a Síria. As pretensões dos espanhóis de exercerem predominância na região revelam–se pueris. O Egito pode ganhar posição de protagonista se consolidar uma solução institucional, mas para isso obviamente se distanciará de Israel cujo futuro parece ser um isolamento semelhante ao do antigo Reino Cruzado de Jerusalém. O grande problema é que a malta européia encontra-se na necessidade de reconhecer ao mundo árabe um protagonismo que lhe tem negado desde 1917, quando correu para ocupar os espaços deixados pela queda do Império Otomano. Por, isso, com toda mímica bombástica, Kadafi incomoda. Observe-se que em 1987 a aviação enviada por Bush I bombardeou Trípoli matando uma filha de Kadafi de dois anos. Surpreendentemente, ele não mandou matar Bush. Adotou uma política de sobrevivência abrindo espaço para petroleiras internacionais. Agora, se ganha esta etapa da guerra, cria um novo fato de política internacional agregando peso às correntes aliadas do Irã. Sem dúvida, há novo material para reflexão de política internacional.

*Publicado no Boletim do IPS em março de 2011
*Economista, Professor universitário e Presidente do IPS

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