segunda-feira, 16 de maio de 2011

ARTIGO

É a economia, amigos*

Gilton Aragão**

O atual momento tem levado muitos analistas a citar, a frase “É a economia, estúpido”, de James Carville, em 1992. Esse consultor explicou ao então candidato a presidência dos Estados Unidos, Bill Clinton, que quando a economia vai bem, e gera maiores salários e mais emprego, quem está se beneficiando com essa melhoria, não quer mudanças de Governo. Isto equivale a dizer que prevalece a lógica do “primeiro o meu dinheiro, o resto é o resto”.

Esta lógica simplista leva em primeiro lugar a ignorar as origens dessa melhoria; em segundo, a subestimar os riscos de perda desses benefícios; e em terceiro, a ser leniente com eventuais irregularidades na gestão e com desvios éticos e morais.

Nas eleições de 15 de novembro de 1986, o PMDB elegeu 22 dos 23 governadores estaduais e obteve 53,% das cadeiras da Câmara Federal. Isto ocorreu porque o então presidente José Sarney apesar de convencido da necessidade de medidas de correção do Plano Cruzado ignorou essas medidas para que o PMDB ganhasse as eleições. O Plano Cruzado naufragou com o fim do congelamento dos preços.

O Plano Cruzado no imaginário da população da brasileira era “a salvação da lavoura” e que “Sarney... ei... ei... ei era o nosso rei”. Como se viu logo depois, ele não era o nosso rei.

O Plano Cruzado foi uma tentativa séria de estabilizar a moeda, mas Sarney, pressentindo uma vitória política maciça, adiou os ajustes sem que a maioria da população esboçasse qualquer reação, “concordando” em ocultar os riscos.

As principais medidas do Plano Cruzado implantadas em 28 de fevereiro de 1986 foram as seguintes: 1) introdução de uma nova moeda, o cruzado, em substituição ao cruzeiro;

2) conversão de todos os contratos pela média dos últimos seis meses, incluindo os salários; 3) fim da indexação; 4) congelamento de todos os preços; 5) reajuste do salário mínimo em 15%; 6) concessão de um abono de 8% para todos os salários; 7) implantação de um “gatilho” que consistia no reajuste automático dos salários se a taxa de inflação acumulada chegasse a 20%; 8) determinação de taxa de câmbio fixa.

Em abril de 1986 a inflação foi negativa (0,58%, medida pelo IGP-DI), enquanto que em janeiro havia chegado a 17,79% e em fevereiro, a 14,98%. Em dezembro, porém, ela voltou com força total, alcançando 7,56% e em maio de 1987, 27,58%.

Só em 1994, após o fracasso do Plano Collor implantado em 1990, é que a inflação, foi contida pelo Plano Real. Nesse processo de estabilização importantes segmentos políticos, tentaram confundir a população “explicando” que o Plano Real era apenas um acordo eleitoreiro entre supermercados e o Governo Federal. A estabilização dos preços produziu a vitória política de seus promotores.

A lógica se confirmou: a melhoria na economia promoveu a vitória dos governantes responsáveis por ela, ainda que, como em 1986, eles tivessem ocultado os riscos e evitado os ajustes no mesmo.

O Plano Real, apesar de ter estabilizado a moeda, gerou uma elevada taxa de desemprego cujos esforços para sua redução estavam em andamento ao lado de medidas compensatórias, concebidas e em implantação. A população não esperou que esse processo se concluísse e elegeu Lula para a presidência. Ela esperava que o processo tivesse continuidade e recebesse os ajustes necessários.

A continuidade do processo permitiu ao Governo Lula produzir resultados, embora este,contraditoriamente,
negue e ao mesmo tempo valorize essa base. A política econômica foi mantida, inclusive nos seus defeitos, como a aliança com o setor bancário, a qual foi ampliada.

A base pode ser caracterizada por medidas como o Plano Real, que permitiu o crescimento do salário mínimo, o crescimento planejado das atividades econômicas e a geração de recursos para infraestrutura; o Proer, que fortalecendo os bancos permitiu que posteriormente resistissem à crise; o Pronaf, que iniciou o apoio a agricultura familiar; os Genéricos, que provocaram uma redução nas despesas com medicamentos; e as Bolsas ao cidadão; que promoveram o resgate da cidadania e sinalizaram o fortalecimento do mercado interno. Nessa base, estão incluídas as Privatizações, ressaltando que se algumas foram necessárias, outras foram indevidas e até inaceitáveis.

Hoje a população vem recebendo os benefícios do processo iniciado em 1993 com a preparação do Plano Real, mas atribui o mérito desse benefício exclusivamente ao governo atual. É a economia, amigos. Com isso ignora a diferença entre quem fez a base e quem manteve a lógica e as principais linhas dessa base.
O futuro próximo vai requerer de quem estiver no poder a construção de uma nova base e não apenas retocar a anterior. Uma nova base que imponha o desafio de manter a democracia como valor universal e o de assumir compromissos de transformar a sociedade.

Será necessário um novo modelo que promova efetivamente a redução dos desequilíbrios de renda entre as pessoas e entre as regiões. Afinal, para enfrentar as contradições do capitalismo que se manifestam em crises cíclicas, é preciso muito mais do que políticas conservadoras.

*Publicado no Boletim Informativo de Outubro de 2010
** Economista, professor universitário
e ex-presidente do Sindicato do Economistas do Estado da Bahia

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