segunda-feira, 7 de novembro de 2011


Artigo*
Significado atual do setor nuclear para o Brasil

Anya Cabral**

O desenvolvimento do setor nuclear é hoje de extrema relevância na concepção estratégica de poder do Brasil. A opção nuclear engloba questões de autonomia energética e controle dos recursos energéticos, cuja disposição desigual leva a disputas internacionais. O controle da energia nuclear depende do desenvolvimento da tecnologia nuclear, tanto de prospecção de materiais radioativos, quanto de beneficiamento no processo do ciclo do combustível, mas também da tecnologia de geração de energia de origem nuclear que consiste numa gama complexa de produtos para construção e operação de usinas nucleares e centros de produção de radiofármacos, dentre outros. O uso bélico acirra a disputa pelo controle tecnológico da energia nuclear, ao limitar o acesso a essa tecnologia.

Detentor de reservas de minerais radioativos, o Brasil participa desde a década de 1940 do “mundo nuclear”. Essa posição, no entanto, não lhe garantiu vantagens no acesso à tecnologia nuclear, pelo contrário. O árduo caminho rumo à autonomia ainda não terminou, embora o Brasil já domine o ciclo do combustível.

A experiência brasileira mostrou que a tecnologia nuclear não se transfere e, enquanto o país se submeteu a acordos desiguais, primeiro com os Estados Unidos e depois com a Alemanha, pouco avançou no desenvolvimento tecnológico do setor. Esse avanço se deu quando, na ocasião do Programa AAutônomo de Desenvolvimento de Tecnologia Nuclear, conhecido como Programa Nuclear Paralelo, o país optou por investir no desenvolvimento de tecnologia própria.

A retomada do Programa Nuclear Brasileiro, que contempla a expansão da participação da energia nuclear na matriz energética brasileira, a construção de um submarino nuclear e o desenvolvimento em escala industrial do ciclo do combustível, juntamente com o anúncio do Plano Nacional de Energia 2030; o Plano Nacional de Energia Elétrica 2030; e a Estratégia de Defesa Nacional, revela uma mudança no papel estratégico do setor nuclear na política brasileira. Trata-se de reativar o setor em todas as áreas, simultaneamente, inclusive com a reformulação da base institucional. O Brasil assiste ao ressurgimento do setor nuclear, não só por acompanhar a tendência mundial da expansão da energia nuclear para a produção de energia elétrica, mas considerando o “nuclear” como estratégico para firmar sua posição no cenário geopolítico internacional e regional.

O futuro do setor nuclear brasileiro depende, no entanto, da capacidade do governo em conduzir o desenvolvimento simultâneo de todas as áreas, assim como ocorreu nos Estados Unidos, durante a Segunda Guerra Mundial. Mas se a guerra criou as condições favoráveis para a direção do processo pelas Forças Armadas, conjuntamente com o governo estadunidense, estas condições não se repetem atualmente no Brasil.

Apesar de todas as atividades relacionadas à área nuclear serem da competência da União[1], a estrutura de poder no país explica, em parte, a dificuldade do governo em se posicionar perante o conflito entre os interesses públicos e privados, sobretudo em um país onde se promove a privatização de setores estratégicos. A flexibilização do monopólio do setor nuclear ensejada pelo setor privado, com a concordância de membros do setor público, coloca em risco a autonomia nuclear brasileira necessária para a consecução do plano cujos objetivos são atingir a auto-suficiência energética, contribuir para a defesa das reservas energéticas e da Amazônia e o desenvolvimento tecnológico.

Em ano eleitoral redobram as preocupações quanto à política nuclear, tendo em vista a descontinuidade recorrente dos programas de um governo para outro. No caso do setor nuclear esta descontinuidade pode levar a graves conseqüências. Não se pode apenas abandonar uma instalação nuclear. O processo de descomissionamento e, sobretudo, o gerenciamento dos rejeitos radioativos produzidos pode levar centenas ou milhares de anos.

Por último, não se trata de um posicionamento contra ou favor da utilização da energia nuclear, mas de reabrir o debate sobre o tema, por tanto tempo velado por uma aura de mistério.



* Publicado no Boletim Informativo do IPS de março de 2010
** Pesquisadora, membro do Conselho Fiscal do IPS



[1] A exceção do transporte de material radioativo, que é regulamentado por lei e a utilização dos radioisótopos para pesquisa, usos medicinais, industriais, agrícolas ou equivalentes que pode ser realizada por terceiros, por meio de concessão ou permissão.




Artigo*
Não basta a retomada do crescimento econômico

Gilton Aragão**



Com a retomada do crescimento do produto interno em vários países surge também a esperança de que “tudo voltará a ser como antes”. E antes, tudo ia bem?

A crise financeira mundial, a partir da sua erupção mais visível, em setembro de 2008, decorreu de uma contradição estrutural, que não é exclusivamente econômico-financeira, abrangendo múltiplas áreas, inclusive a do meio ambiente.

Dentre os críticos da atual ordem econômica mundial, é quase um consenso a conclusão de que saíram desmoralizadas as principais teses do neoliberalismo, especialmente a auto-regulação e a eficiência do sistema e dos instrumentos financeiros sofisticados; trazendo de volta o debate sobre as formas alternativas de organização sócio-econômica das sociedades.

No Brasil, o governo federal tem divulgado que estamos indo muito bem e que somos o país que melhor enfrentou a crise, já que os números indicam a retomada do crescimento econômico. Entretanto, esses números são capazes de iludir. E quanto mais se aproximam as eleições, maior é a tentação de se produzir mensagens onde se exagera o positivo e se esconde o negativo.

O mercado interno brasileiro, embora venha crescendo, tem limites para esse crescimento e o mercado externo, basicamente a China e Estados Unidos, não é capaz de absorver todos os bens primários produzidos.  A estratégia de vender commodities agrícolas e minerais se aproxima do esgotamento, independentemente do risco representado pela chamada “doença holandesa”, a desindustrialização provocada por esse apego à exportação de bens primários.

É preciso ainda decodificar os números regionais e estaduais para se ver, com clareza, a persistência das nossas debilidades. Observar por exemplo que, se mantido o ritmo e a natureza do crescimento brasileiro, continuarão as disparidades sócio-econômicas e o acesso precário das pessoas situadas nas camadas sociais de baixa renda à educação, saúde, saneamento e habitação. O aumento da renda baseado em sua maior parte nas transferências e ações assistencialistas não é consistente com um modelo sustentável de crescimento. O provisório não pode ser definitivo e a participação da remuneração do trabalho na renda nacional tem que voltar a crescer.

Revendo a reação do governo brasileiro frente à crise dá para distinguir três fases: a primeira, a subestimação ou a “marolinha”: o status quo foi mantido, especialmente a política monetária e seus elevados juros, embora medidas pontuais tenham sido implantadas, visando conter o desaquecimento da economia brasileira; a segunda, o reconhecimento ou o “caiu a ficha”: o governo assumiu a gravidade da crise, mudou o discurso, porém continuou adotando medidas pontuais; e a terceira, um novo modelo: quando decidiu adotar um novo modelo de desenvolvimento. Mas, esse grande desafio vai ficar para o próximo presidente.

De fato, um novo modelo implica em uma nova estratégia de desenvolvimento que tenha como ferramenta básica, o planejamento. Crescer sem planejar pode travar. Novos valores e novos paradigmas devem ser estabelecidos. Quantos automóveis, por exemplo, as estradas e ruas brasileiras suportam? Para adotar-se um novo modelo tem-se que partir de um diagnóstico que não se restrinja a exibir um quadro otimista no curto prazo, nem a manter a estratégia construída nos anos 90.

Esse novo modelo deve surgir depois de avaliada a gestão e os resultados dos últimos anos, nos quais a sociedade brasileira acumulou elementos para refletir sobre quais são as forças políticas que estarão em melhores condições, em todos os aspectos, para conduzir essa transformação.

Esse novo modelo deve também incentivar a melhoria do nível de organização e de participação da sociedade civil, a convergência de interesses, a “concertação” com efetivo diálogo social, e o desenvolvimento sócio-econômico, preservando o meio ambiente. Em essência, isto significa: implantação de medidas capazes de modificar a atual ordem de prioridades, com a valorização de projetos voltados para os pequenos e médios empreendimentos, especialmente os cooperativos e solidários.



* Publicado no Boletim Informativo do IPS de Fevereiro de 2010

** Economista, professor universitário, Vice-Diretor Geral do IPS

sexta-feira, 27 de maio de 2011

ARTIGO

Fukushima: um alerta para o setor nuclear brasileiro*


Anya Cabral**

O acidente de Fukushima Daiichi, iniciado em 11 de março, acordou o mundo para o risco nuclear, adormecido desde Chernobyl, em 1986. O acidente, ocorrido no Japão, o país mais bem preparado a reagir em caso de catástrofes, coloca em xeque a segurança nuclear repercutindo em uma cadeia sucessiva de reações ao uso dessa fonte de energia para produção de energia termoelétrica.

A nuvem de radioisótopos, que sobrevoa oceanos e continentes deixando um rastro contaminante, já causou a derrota nas eleições regionais do partido de Angela Merkel na Alemanha, e a lépida corrida de Sarkozy ao local do "sinistro" na esperança de reverter a sua queda de popularidade na França e fazer negócios, honrando a condição de representante comercial de seu país.

O acidente de Fukushima explodiu uma crise institucional do setor, que tal como a radiação se alastrou por diferentes países. Embora não se tenha notícias de recente imigração de radioisótopos japoneses ao Brasil, essa crise atingiu em cheio a Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), quando veio a público que o órgão responsável pela legislação e controle da radioproteção não respeita as normas ambientais brasileiras. Com a demissão do corpo diretor do órgão, o governo brasileiro despertou para a necessidade de discutir seu programa nuclear.

Apesar dos esforços para conter a radiação, a mobilização japonesa, que incluiu a oração do imperador Akihito em inusitada aparição televisiva, o acidente nuclear está longe de ser controlado. A empresa privada Tepco (Tokio Electric Power Company), responsável pela operação de dezessete reatores nucleares no Japão, dez deles localizados na prefeitura de Fukushima anunciou o fechamento de quatro dos seis reatores de Fukushima Daiichi. A operação de desmantelamento, no entanto, não é uma tarefa simples. É preciso resfriar o reator de modo a acessar o núcleo. Esse procedimento, em Three Mile Island, levou seis anos. O governo japonês aventou a possibilidade de estatização da empresa, demonstrando que as forças "salvadoras" do mercado pouco resguardam as empresas privadas de situações de perdas, que são constantemente "socializadas" e mais uma vez revelam a cumplicidade do Estado com o grande capital.

A falta de coerência nas informações divulgadas, com erros de milhares de becqueréis, desmentidos posteriormente, descobre a manipulação da informação. Aliás, a Tepco possui tradição na adulteração de dados e omissão de incidentes (vazamentos radioativos, rachaduras em canos e até acidentes fatais) como no escândalo que abalou a empresa .em 2002 e levou à renúncia de altos executivos da corporação. O controle de informações protege os interesses das operadoras de usinas nucleares com rebatimento em todas as áreas produtivas do setor nuclear, cujas atividades podem ser seriamente afetadas pelos humores da opinião pública. Preocupação, aliás, amplamente justificada uma vez que as conseqüências da contaminação radioativa têm efeitos globais, mortais e seculares.

Plantea-se o recorrente debate da eficiência da privatização de setores estratégicos, como o da energia, onde o conflito de interesses entre o público e o privado resulta na priorização do lucro em detrimento da segurança, com a conivência das agências reguladoras. Os Estados Unidos não escapam à regra: um relatório de auditoria da NRC (Nuclear Regulatory Commission) revela que as empresas operadoras de usinas nucleares omitem informações sobre ocorrência de falhas em seus equipamentos. A própria NCR foi alvo de críticas do então candidato à Presidência, Barack Obama em 2007, que acusou o órgão de ser refém das empresas que deveria regular.

No Brasil, a Constituição atribui que todas as atividades relacionadas à área nuclear são da competência da União, cabendo também à União legislar com exclusividade sobre atividades nucleares de qualquer natureza. Os principais órgãos responsáveis pelo exercício do monopólio do Estado são a CNEN (Comissão Nacional de Energia Nuclear; a INB (Indústrias Nucleares do Brasil); a Eletronuclear; e a Nuclep (Nuclebras Equipamentos Pesados S.A.).

A organização do setor nuclear iniciou-se na década de cinqüenta, no pós-guerra, quando a principal preocupação quanto à energia nuclear estava relacionada à defesa nacional. Isso ocasionou uma concentração das atividades nucleares sob um restrito controle do Estado. A criação da CNEN correspondeu a essa época. As empresas mistas do setor nuclear foram criadas a partir dos anos 1970, para viabilizar o Acordo Brasil-Alemanha. Inicialmente seriam empresas bi-nacionais. Com a paralisação do Acordo, algumas delas foram fechadas e outras transformadas em empresas mistas brasileiras, como a INB e a Nuclep. A criação da Eletronuclear, em 1997, fez parte do processo de privatização de Furnas, e da fusão da área nuclear de Furnas Centrais Elétricas S.A. com a Nuclen Engenharia e Serviços S.A.

O Brasil possui duas usinas nucleares (Angra e I e Angra II) e está construindo uma terceira, Angra III, todas elas localizadas na Central Nuclear Almirante Álvaro Alberto, no município de Angra dos Reis, Estado do Rio de Janeiro. A operação de Angra I e Angra II e a construção de Angra III são da competência da Eletronuclear.

O Programa Nuclear Brasileiro prevê a construção de pelo menos mais quatro usinas nos próximos anos, sendo duas no Nordeste e duas no Sudeste. O acidente de Fukushima, que sacudiu o mundo em torno da exeqüibilidade segura do uso da energia nuclear para produção de energia elétrica parece não afetar a opinião pública brasileira. Se o incidente serviu para revelar irregularidades no sistema de concessão de licenças ambientais, não provocou uma mobilização suficiente para reverter as metas do Programa Nuclear Brasileiro. Pelo contrário, nota-se uma movimentação de setores ligados ao nuclear para reafirmar a competência dos responsáveis pela escolha da localização de usinas nucleares no Brasil, que jamais construiriam esse tipo de empreendimento em locais sujeitos a abalos sísmicos. Alheios à catástrofe, jornais anunciam a continuação da disputa dos Estados nordestinos para sediar o Complexo Nuclear do Nordeste.

Mas quais as conseqüências de um acidente nuclear na central de Angra dos Reis? A despeito das declarações sobre a inexistência de terremotos o Estudo de Impacto Ambiental de Angra III registra abalos sísmicos na região de até 4,3 na escala Richter e não é impossível que o aumento do nível do mar venha a danificar o funcionamento da Central. Mas o ponto mais alarmante é a inoperância do Plano Emergencial, em caso de acidente. O Plano prevê uma zona de impacto de apenas quinze quilômetros no entorno da Central nuclear e recomenda a abrigagem como primeira medida de proteção. Ora, é de conhecimento público que as moradias das urbanizações do entorno da central não oferecem proteção contra radiação. Telhados sem forro, portas e janelas impossíveis de serem corretamente vedadas, construções que não seguiram nenhuma norma específica de proteção em caso de fugas radiativas. O Plano prevê como rota de fuga o mar, uma vez que a estrada Rio-Santos é sujeita a deslizamentos, embora inexistam balsas suficientes para a evacuação da população atingida.

A Central Nuclear Almirante Álvaro Alberto é reconhecida como muito segura pelos padrões internacionais. Os responsáveis pela operação da central não hesitam em desligar os reatores ao menor sinal de alarme. Esta opção só é possível porque a central é operada por uma empresa estatal. A privatização do setor, ensejada pelo lobby nuclear, poderia reverter tais prioridades, tanto mais porque as empresas privadas prováveis candidatas a operar as usinas nucleares no Brasil são estrangeiras.

Esses argumentos indicam os riscos representados pela privatização do setor, bem como o imperativo de que este seja operado exclusivamente pelo Estado. Cabe, por último, uma reflexão sobre a real necessidade de um aumento da disponibilidade de energia, mediante a expansão da geração de energia de origem nuclear, em um país que dispõe de tantos outros recursos energéticos.


*Publicado do Boletim do IPS de abril de 2011
**Economista, mestranda em ciências sociais, Diretora Administrativa do IPS



sábado, 21 de maio de 2011

ARTIGO

As surpresas do neo-arabismo*


Fernando Pedrão**

O arco de alianças dos Estados Unidos com as nações européias colonialistas de repente encontrou-se diante de uma realidade chocante que não deveria ter surpreendido se não fossem tão auto-suficientes. Agora estão entre uma diplomacia européia vacilante e uma política norte-americana – provisória – de recuperar imagem. Antes que acabem de adotar políticas formais de rejeição a Kadafi ele terá ganho a guerra e invalidado as gatimonhas de Sarkozy, Zapatero, Cameron et allere. O fim dos rebeldes líbios será um dano colateral que os europeus lamentarão, mas não mudará sua política de imigração. Daqui vemos esses grandes movimentos como um novo rebatimento da crise do capitalismo, que começou nos anos 1980 na periferia avançada, rebateu na Europa nos 1990, refluiu aos Estados Unidos nos 2007, à Europa do sul e chega ao mundo árabe esmagado por um desemprego crônico. É um desemprego funcional ao fato de que os Estados Unidos têm apoiado pseudo-monarquias e verdadeiras ditaduras que concentram riqueza ostensiva de dirigentes e mantêm o povo como massa. Começou na Tunísia, não só por estar junto da França, mas porque ali e no Egito formaram-se grupos mais numerosos de jovens qualificados que não encontram emprego e são rejeitados pela grande casa matriz do colonialismo. O quadro também mudou porque a crise que chegou ao Mediterrâneo norte pela Grécia estende-se a Espanha, Portugal, Hungria, Irlanda, com a Itália já andando na prancha, humilhada pela figura grotesca de Berlusconi. A Fortaleza Europa fechou-se com os germânicos dentro e os “latinos” fora das muralhas.


Mas a crise “árabe” reservava surpresas na Líbia, no Iêmen e agora – surprise, surprise – na Arábia Saudita. Obviamente, não há mais lugar para a aliança paranóica dos Estados Unidos com Israel, que tem tido carta branca para aterrorizar, assassinar e aproveitar-se da ditadura egípcia. Não é difícil perceber que os norte-americanos estão fazendo uma re-engenharia de sua política externa diante de uma China incontível. Não lhes convêm novos envolvimentos custosos, menos ainda para atender aos medos da Espanha e da Itália e à cobiça da França. Não há porque pensar em termos de um grande movimento árabe unificado, mas não há como escapar de ver que as soluções locais tornam-se peças de um xadrez continental. O movimento pode chegar ao Marrocos e à Mauritânia. Os negros podem voltar a imitar os árabes. É inegável que há um protagonismo da Turquia, que tem tido resultados econômicos significativos e exerce liderança sobre diversas nações. De outro lado, há um protagonismo do Irã, que capitaliza sua resistência ao “Ocidente” e se torna referência como e enquanto espaço nacional inviolável. De passagem, é hilariante a pretensão da AIEA, títere dos Estados Unidos, de exercer pressão sobre a Síria. As pretensões dos espanhóis de exercerem predominância na região revelam–se pueris. O Egito pode ganhar posição de protagonista se consolidar uma solução institucional, mas para isso obviamente se distanciará de Israel cujo futuro parece ser um isolamento semelhante ao do antigo Reino Cruzado de Jerusalém. O grande problema é que a malta européia encontra-se na necessidade de reconhecer ao mundo árabe um protagonismo que lhe tem negado desde 1917, quando correu para ocupar os espaços deixados pela queda do Império Otomano. Por, isso, com toda mímica bombástica, Kadafi incomoda. Observe-se que em 1987 a aviação enviada por Bush I bombardeou Trípoli matando uma filha de Kadafi de dois anos. Surpreendentemente, ele não mandou matar Bush. Adotou uma política de sobrevivência abrindo espaço para petroleiras internacionais. Agora, se ganha esta etapa da guerra, cria um novo fato de política internacional agregando peso às correntes aliadas do Irã. Sem dúvida, há novo material para reflexão de política internacional.

*Publicado no Boletim do IPS em março de 2011
*Economista, Professor universitário e Presidente do IPS

sexta-feira, 20 de maio de 2011

Algo de estapafúrdio e de visionário


Gilton Aragão**


Em setembro de 2010 foi comemorado o aniversário de 60 anos da implantação em Salvador, nos bairros de Pero Vaz, Pau Miúdo e Caixa d'Água, do primeiro Centro Popular de Educação, idealizado por Anísio Teixeira e conhecido como Escola Parque. Esta foi a semente de um tipo de escola que influenciou muita gente. Os Cieps, implantados por Leonel Brizola e Darcy Ribeiro no Rio de Janeiro, por exemplo, tiveram uma assumida inspiração nos ideais e na obra de Anísio Teixeira.

O primeiro bloco de obras era composto por três escolas classe, que compunham o Centro Educacional Carneiro Ribeiro e pela Escola Parque destinada a abrigar todas as demais formas de construção plena da cidadania. Na solenidade da inauguração, realizada na Escola 2, no Pero Vaz, Anísio Teixeira em seu discurso, ao lado do Governador Otávio Mangabeira, afirmou que:

Desejamos dar, de novo, à escola primária, o seu dia letivo completo. Desejamos dar-lhe os seus cinco anos de curso. E desejamos dar-lhe seu programa completo de leitura, aritmética e escrita, e mais ciências físicas e sociais, e mais artes industriais, desenho, música, dança e educação física. Além disso, desejamos que a escola eduque, forme hábitos, forme atitudes, cultive aspirações, prepare, realmente, a criança para a sua civilização – esta civilização tão difícil por ser uma civilização técnica e industrial e ainda mais difícil e complexa por estar em mutação permanente. E, além disso, desejamos que a escola dê saúde e alimento à criança, visto não ser possível educá-la no grau de desnutrição e abandono em que vive. Teixeira (1959)

Essa era a síntese da sua proposta de escola em tempo integral e formadora da cidadania plena; uma idéia tão óbvia e tão simples que é inaceitável que até hoje permaneça pouco conhecida pela maioria dos brasileiros.

Anísio, com clareza, denunciava a precariedade e a falta de compromisso com que era tratada naquela época, a educação no país. Em suas palavras:

É contra essa tendência à simplificação destrutiva que se levanta este Centro Popular de Educação. Teixeira (1959).

Não existia sensibilidade para reconhecer o papel revolucionário da educação, tampouco empenho para mudar radicalmente o sistema educacional. Como uma profecia que lamentavelmente se confirmou, Anísio Teixeira corajosamente afirmava.

Tudo isso soa como algo de estapafúrdio e de visionário. Na realidade, estapafúrdios e visionários são os que julgam que se pode hoje formar uma nação pelo modo por que estamos destruindo a nossa. Teixeira (1959).

Na incrível atualidade das suas idéias, alertava para a necessidade da realização de um movimento da sociedade que conduzisse a sua transformação organizada sob uma ótica humanística e socializante.

Se uma sociedade, como a brasileira, em que se encontram ingredientes tão incendiáveis, como os das suas desigualdades e iniqüidades sociais, entra em mudança e agitação acelerada, sacudida por movimentos e forças econômicas e sociais que não podemos controlar, está claro que a mais elementar prudência nos manda ver e examinar as molas e instituições em que se funda essa sociedade, para reforçá-las ou melhorá-las, a fim de que suas estruturas não se rompam ao impacto produzido pela rapidez da transformação social. Teixeira (1959).

Não há dúvida que o seu objetivo era contribuir para transformar a sociedade e assim, alertava para o dever dos governantes de preparar os cidadãos para construir essa transformação.

Os habitantes deste bairro da Liberdade deixam um estágio anterior aos tempos bíblicos de agricultura e vida primitiva para imergirem em pleno báratro do século vinte. Ou organizamos para eles instituições capazes de lhes preparar os filhos para o nosso tempo, ou a sua intrusão na ordem atual terá o caráter das intrusões geológicas que subvertem e desagregam a ordem existente. O problema da educação é, por excelência, o problema de ordem e de paz no País. Daí, as linhas aparentemente exageradas em que o estamos planejando. Teixeira (1959).

A crítica de Anísio Teixeira continua válida nos dias atuais, como se vê a seguir.

O brasileiro não acredita que a escola eduque. E não acredita, porque a escola, que possui até hoje, efetivamente não educou. Veja-se, pois, em que círculo vicioso se meteu a nação. Improvisa escolas de todo jeito porque não acredita em escolas senão como formalidade social e para preencher formalidade de nada mais se precisa do que de funcionários que conheçam as fórmulas – e porque só tem escolas improvisadas e inadequadas não acredita que escolas possam ser as formadoras eficientes de uma ordem social. Teixeira (1959).

Nesses sessenta anos, excetuando-se o período da ditadura militar (1964-1985), a maior parte dos governantes brasileiros adotou um discurso favorável a que a educação exercesse o seu papel revolucionário, mas, na prática, foram modestos os resultados; longe daquilo que Anísio Teixeira propôs, começou a implantar e não permitiram que ele prosseguisse.

O individualismo, o consumismo desenfreado, o desapego a valores éticos, o baixo aproveitamento escolar, a violência endêmica, são alguns dos reflexos do descaso com a educação no Brasil.

Por que diante das várias evidências em todo o mundo, do caráter estratégico da educação para o alcance do desenvolvimento, no Brasil a educação é considerada como prioridade secundária? Quando a resposta for encontrada o Brasil estará perto de vencer o seu atraso.

A propósito do que se faz hoje pela Educação no Brasil, o novo Plano Nacional de Educação (PNE), em tramitação no Congresso Nacional, assume, explicitamente, que não existe independência sem educação de qualidade para todos e prevê como meta, alcançar até 2020 um investimento em Educação de 7% ano do Produto Interno Bruto (PIB), além de conceder ênfase na valorização do professor como eixo central.

Entretanto, pelo menos duas questões devem ser levantadas nesse PNE: a primeira: a meta de educação em tempo integral se limita a 50% das escolas públicas de educação básica; e a segunda: nesse âmbito, o realizado ficou sempre aquém do projetado, ao contrário das grandes obras empreitadas pelo Brasil afora, nas quais, o gasto final foi sempre superior ao projetado.

O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), por exemplo, é emblemático: apresenta baixo percentual de realizado, em confronto com o projetado. De fato, segundo o site “Contas Abertas”, o Tribunal de Contas da União (TCU) classificou em reunião realizada em novembro de 2010, os balanços quadrimestrais do PAC como precários e inconsistentes e, além disso, acrescenta que o ministro relator Raimundo Carreiro, afirmou que “Ao se observar os percentuais de execução físico-financeiro desses projetos, constata-se serem eles ainda modestos”.

Em síntese, o Brasil terá que fazer uma mobilização pela Educação maior do que os esforços convencionais projetados; terá que entender o que disse Anísio Teixeira e retomar, a tarefa de transformação do país pela educação, sem atalhos sinuosos e improdutivos.

*Publicado no Boletim do IPS de Janeiro de 2011
**Economista, professor universitário,
Vice Diretor do IPS
e ex-aluno da Escola Parque

quarta-feira, 18 de maio de 2011

ARTIGO

Dos estados-nação ao poder do império no século XXI

Ari Soares Lima*


Manuel Castells, em seu livro O Poder da Identidade, Vol.II (2008), esclarece acerca da teoria do Estado, dizendo que o debate recorrente por décadas, tem sido entre institucionalismo, pluralismo e instrumentalismo em suas diferentes versões. Dentro da tradição Weberiana, os institucionalistas atêm-se à autonomia das instituições do Estado. Os pluralistas, por sua vez, descrevem a estrutura e evolução do Estado como fruto de uma série de influências sobre a própria (re) formação do Estado, de acordo com a dinâmica de uma sociedade civil plural, em uma validação constante de um processo constitucional.

Já os seguidores do instrumentalismo, marxismo ou historicismo vêem o Estado como expressão de atores sociais que, em defesa de seus interesses, conquistam poder de dominação como resultado de lutas, alianças e transigências. Contudo, segundo Giddens, Guehenno e Held, apud Castells (2008), em todas as escolas de pensamento, a relação entre Estado e a sociedade, e, portanto a teoria do Estado, está contemplada no contexto da nação, tendo o Estado-nação como sua estrutura de referência.

O Estado-nação, segundo Castells (2008), tem sua origem a partir do Estado, e não da nação - definida culturalmente e territorialmente. Esta afirmação acaba por levantar uma hipótese; a de que a gênese da crise do Estado pode estar em sua própria constituição, pois na imposição da homogeneidade, instituída com base na negação de identidades históricas em prol de uma identidade que melhor atendesse aos interesses dos grupos sociais dominantes, uma maioria não tem, e nunca teve representatividade. Uma vez estabelecida a nação, efetivamente sob controle territorial do Estado, a história compartilhada de ambos induz à formação de vínculos socioculturais entre seus membros, bem como a união de interesses econômicos e políticos. Embora, haja uma representação desproporcional dos interesses sociais, culturais e territoriais do Estado-nação, que acaba por descaracterizar as instituições nacionais em função dos interesses das elites que dão origem a esse Estado e sua política de alianças, abrindo caminho para crises institucionais e a própria “falência” dos Estados-nação (Castells, 2008).

Essa diferenciação territorial das instituições do Estado responde em parte, segundo Castells (2008), o porquê dos Estados, muitas vezes, serem governados sob interesses de uma minoria, embora não estejam fundamentados necessariamente na repressão. Aos subordinados sobram as instituições administrativas de poder hierárquico mais baixo dentro do Estado que, também, encontra-se dividido em classes. Os esforços para restaurar essa legitimidade do Estado-nação por meio da descentralização de poder administrativo, delegando-o às esferas regionais e locais, estimulam as “tendências centrífugas” ao trazer o cidadão para a órbita do governo, aumentando, porém, a indiferença destes em relação ao Estado.

Assim, enquanto o capitalismo global prospera e demonstra seu vigor em todo o mundo, o Estado-nação, que tem sua formação historicamente situada na Idade Moderna, parece estar perdendo seu poder, contudo não, ressalta Castells, sua influência. De fato, parece que o desfio lançado a soberania dos Estados-nação está na incapacidade de navegar por “águas tempestuosas e desconhecidas”, entre o poder das redes globais e o desafio imposto por identidades singulares. O Estado-nação sozinho não mais apreende o tempo histórico mediante apropriação da tradição e (re) construção da identidade nacional. O desafio lançado esta acerca do tempo e espaço que agora são sobrepujados pelos fluxos globais de capital, produtos, serviços, tecnologia, comunicação e informação, representando, sobretudo uma ameaça ao Estado do bem-estar social, um dos principais componentes das políticas dos Estados-nação dos últimos 50 anos, e provavelmente o principal sustentáculo da legitimidade desse Estado nos países industrializados (Castells, 2008).

Para Bobbio (2009), a definição de Estado contemporâneo envolve numerosos problemas, derivados, o complexo social, e de depois, em captar seus efeitos sobre a racionalidade interna do sistema político. Nesse sentido, o autor fala de uma abordagem que se revela extremamente útil para a análise dos problemas subjacentes ao desenvolvimento do Estado contemporâneo; a da “difícil coexistência das formas do Estado de direito com os conteúdos do Estado social”.

Os direitos fundamentais representam as tradicionais tutelas das liberdades burguesas: liberdade pessoal, política e econômica, funcionando basicamente como uma barreira à intervenção do Estado. Pelo contrário, os direitos sociais representam maior participação popular no poder político e no sistema de distribuição da riqueza social produzida. Se os direitos fundamentais são a garantia de uma sociedade burguesa separada do estado, os direitos sociais representam por outro lado, a via por onde a sociedade entra no Estado, modificando-lhe a estrutura formal (Bobbio, 2009). “A forma do Estado oscila, assim, entre a liberdade e a participação” (E. Forsthoff, 1973 apud Bobbio, 2009).

A partir da segunda metade do século XIX, uma gradual integração do Estado político com a sociedade civil, acabou por alterar a forma jurídica do Estado, os processos de legitimação e a estrutura da administração. Houve também significativa expansão do capital, através da formação de grandes concentrações, que contaram com ajuda de bancos, mesmo que não se fundissem com eles, revelando uma tendência ao surgimento do capital financeiro, que une o capital industrial, comercial e bancário. Essa presença de fortes concentrações industriais converteu-se na presença de grupos de pressão política e econômica, modificando a relação Estado-Economia na constituição do capital financeiro, não podendo mais o Estado consistir na estranheza da política ao intercâmbio do mercado, como ficou caracterizado o século XVIII, regulado exclusivamente pela “mão invisível” de Adam Smith (Bobbio, 2009).

O Paradigma mudou: a política econômica do Estado interfere agora diretamente, não só através de medidas protecionistas em relação ao capital monopólico, mas também nas manobras do Banco Central e mediante a criação de infra-estrutura para a valorização do capital. A estrutura material altera, já que a um Estado que antes contribui, ao longo de todo o século XVIII, para a formação da forma-mercado, mas também do trabalho, do dinheiro e da terra, da estrutura da livre-troca (K. Polany apud Bobbio, 2009), sucede agora um Estado que intervém ativamente dentro do processo de valorização capitalista. Essa mudança não só atinge a política econômica, mas principalmente as funções tradicionais do Estado de direito.

Para Hardt e Negri (2004. 2005), o poder hegemônico dos Estados-nação, consolidado, sobretudo durante no século XIX e primeira metade do século XX, representado, em sua máxima, pelo poder imperial dos EUA e de algumas nações européias, esta em declínio. A mudança ou ruptura da produção capitalista contemporânea e das relações globais de poder revela o atual projeto capitalista de unir poder econômico ao poder político, para materializar uma nova ordem convenientemente capitalista, a ordem do Império.

Em termos constitucionais, os processos de globalização já não são apenas um fato, mas também uma fonte de definições jurídicas que tende a projetar uma configuração única e supranacional de poder político. O que era conflito e competição entre as diversas potências imperialistas, foi substituído pela idéia de um poder único que está por cima de todas elas, que as organiza numa estrutura unitária e as trata de acordo com uma noção de direito pós-colonial e pós-imperialista. A problemática do Império é determinada, portanto, em primeiro lugar, por um fato singular: a existência de uma ordem mundial. Uma ordem expressa como uma formação jurídica, um processo de constituição que acabar por definir as categorias jurídicas centrais e, em particular, o processo de longa transição do direito Soberano de Estados-nação (direito internacional) para as primeiras configurações globais pós-modernas do direito imperial. O nascimento das Nações Unidas (1945) no fim da Segunda Guerra Mundial consolidou e estendeu essa nova ordem jurídica internacional, em desenvolvimento desde a Liga das Nações (1919), ou seja, um novo centro de produção normativa que hoje desempenha papel jurídico soberano através de suas agências administrativas em praticamente todo o mundo (Hardt e Negri, 2004).

Assim, para Hardt e Negri (2004. 2005) o ponto de partida para o estudo do Império é uma nova noção de direito, ou melhor, um novo registro de autoridade e um projeto original de produção de normas e de instrumentos legais de coerção que fazem valar contratos e resolvem conflitos. Essas transformações jurídicas apontam, assim como escreve Bobbio (2009), com efeito, para mudanças na constituição material da ordem e de poder mundiais uma noção dos processos totalizantes do Império.

A mudança de paradigma é definida pelo reconhecimento de que um só poder estabelecido, superdeterminado com relação aos Estados-nação e relativamente autônomo é capaz de funcionar como centro da nova ordem mundial, exercendo sobre ela uma norma efetiva e, caso necessário, coerção em uma lógica estrutural, às vezes imperceptível, mas que se efetiva e se move a todos os atores da ordem global. O Império é formado com base na força, mas com base na capacidade de mostrar a força como algo a serviço do direito e da paz. Conflitos e crises fazem avançar o processo de integração e demandam uma maior autoridade central. O novo aparelho jurídico apresenta-se em sua figura imediata como uma ordem global, uma justiça e um direito que, ainda virtuais, são aplicados em nós. Somos forçados a nos sentir participantes desta evolução e somos chamados a assumir responsabilidade por aquilo em que ela se tornará (ordem global) dentro desse contexto. Nossa cidadania, como nossa responsabilidade ética, está situada dentro dessas novas dimensões, nosso poder e impotência são medidos aqui. À maneira Kantiana, nossa disposição moral interna, quando confrontada e testada na ordem social, tende a ser determinada pelas categorias éticas, políticas e jurídicas do Império. O caráter nacional de valores, os abrigos atrás dos quais eles apresentavam sua substância moral, os limites que protegem contra a exterioridade invasora – tudo isso desaparece. No Império, a ética, a moralidade e a justiça ganham novas dimensões. As grandes corporações transnacionais constroem o tecido conectivo fundamental do mundo biopolítico.

As atividades das corporações já não são definidas pela imposição de comando abstrato e pela organização de simples roubo e de permuta desigual. Mas mais propriamente, elas estruturam e articulam territórios e populações, o que tende a fazer dos Estados-nação meros instrumentos de registro dos fluxos de mercadorias, capital e populações (Hardt e Negri, 2005).



REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BOBBIO, Norberto. Dicionário de Política. Norberto Bobbio, Nicola Matteucci e Gianfranco Paquino; Tradução de Carmem C, Verriele et ai.; Coord. trad. João Ferreira e Luis Guerreiro Pinto Cacais. – Brasília: Editora Universidade de Brasília, 13ª Ed., 2007, 2008, 2009 (reimpressão). Vol. 1: 674 p. (total: 1.330 p.)
CASTELLS, Manuel. O Poder da Identidade. A era da informação: economia, sociedade e cultura. Volume 2. Tradução de Klauss Brandini Gerhardt. São Paulo: Editora Paz e Terra, 2009.
HARDT, Michael. NEGRI, Antonio. Império. Tradução de Berilo Vargas. 6ª ed. Rio de Janeiro: Editora Record, 2004.
HARDT, Michael. NEGRI, Antonio. Multidão: Guerra e democracia na era do Império. Tradução de Clóvis Marques. Rio de Janeiro: Editora Record, 2005.


*Publicado no Boletim do IPS de Dezembro de 2010
**Bacharel em Turismo, mestrando em Desenvolvimento Urbano e Regional na UNIFACS, membro do IPS











terça-feira, 17 de maio de 2011

ARTIGO

Atuação internacional dos governos locais: cidades e relações internacionais



Helena Francisca Santana**

INTRODUÇÃO
 
A questão do protagonismo das cidades nas relações internacionais tem sido objeto de discussões, estudo e investigação no campo das ciências sociais, sobretudo a partir da última década do século passado. O acelerado fenômeno da urbanização, as transformações e avanços das tecnologias da informação, da comunicação e dos transportes em massa, a ampliação e o aprofundamento dos processos de integração regional são alguns dos fatores que respondem pelas interrelações crescentes entre o espaço local e os fluxos internacionais e que justificam a participação mais ativa das cidades em seus relacionamentos internacionais.
 
Diante dessa crescente inter-relação entre o local e internacional que desafia a ordem e o bem estar das cidades e de suas populações, os governos locais têm sido impulsionados pela necessidade de se posicionarem estrategicamente em seus relacionamentos internacionais, sobretudo no sentido de combater a pobreza, a exclusão social, a degradação ambiental e a violência urbana com seus efeitos nefastos.
 
A atuação recente das cidades nas relações internacionais por meio de seus governos locais se deu a partir do final do século passado, e tem sido um movimento crescente no mundo, sobretudo em países emergentes.
 
O presente artigo se dedica a refletir sobre a participação dos governos locais nas relações internacionais e está subdividido em três partes: 1) conceito em torno da atuação internacional dos governos locais e reflexões sobre as condições dessa atuação; 2) breve histórico da ascensão das cidades enquanto ator das relações internacionais; e 3) considerações sobre cidades e relações de poder no cenário internacional.

 
1 GOVERNOS LOCAIS E RELAÇÕES INTERNACIONAIS: CONCEITOS E CONTEXTUALIZAÇÃO
 
A atuação internacional de governos locais de cidades, estados, províncias ou regiões consiste na prática das relações internacionais por meio da cooperação ou dos negócios mantidos entre esses governos locais e governos centrais ou locais de outros países, e ainda com organizações internacionais, organizações não governamentais internacionais, fundações, instituições internacionais ou empresas transnacionais.
 
Para explicar esse fenômeno alguns autores se referem aos termos “internacionalização de governos locais”, “inserção internacional de governos locais”, “participação internacional de governos locais”, “participação de governos locais em relações internacionais”, “diplomacia federativa”, “paradiplomacia” ou mais recente, “internacionalismo municipal”.
 
As diferentes terminologias podem sugerir diferentes interpretações, contudo, na prática, esses termos se referem a: 1) participação de gestores públicos ou assessores técnicos em eventos internacionais; 2) recepção de delegações e missões estrangeiras; 3) ações ou projetos de cooperação técnica ou financeira apoiados por governos centrais, organismos internacionais, redes de cidades ou governos locais de outros países; 4) acordos de irmanamento entre cidades; 5) participação em redes de cidades; 6) organização de eventos e missões internacionais, dentre outras possibilidades de atuação internacional.
 
No Brasil, compete privativamente ao Presidente da República, auxiliado pelo Ministério das Relações Exteriores, a condução das Relações Internacionais do país (Brasil. Constituição da República Federativa do Brasil, art. 76 e 84, Cap. II). Essas ações, portanto, encontram amparo em lacunas constitucionais, já que não há uma legislação específica que regulamente essa participação.
 
Trata-se da articulação internacional das unidades subnacionais, membros da Federação, com a finalidade de fortalecimento de suas estruturas comerciais, econômicas e institucionais, por meio do fomento de negócios internacionais e da prática da cooperação internacional com organizações internacionais, agências de cooperação internacional e cidades, regiões ou províncias de outros países.
 
Contudo, via de regra, nem todas as cidades estão aptas para essa prática, conforme afirma Rodrigues (2004i, p. 442) “[...] a inserção internacional como via estratégica ampla não é, ao menos ainda – para todas as cidades. As cidades mundiais ou globais seriam as que, por sua própria condição, poderiam desenvolver uma política de inserção internacional sustentada”.
 
Rodrigues (2004p, p. 177) assegura ainda que “[...] apenas cidades médias e grandes, sobretudo as globais [...] têm tido condições de atuar de forma independente ou despertaram politicamente para as relações internacionais e passaram a exercer alguma forma de ação internacional estruturada e sistemática”.
 
Em sua maioria, essas cidades são capitais ou grandes centros urbanos de países desenvolvidos ou em desenvolvimento, tais como: Nova York, Londres, Paris, Barcelona, Cidade do México, Cingapura, São Paulo, etc. Tais cidades são conceituadas como “centros de poder com autoridade econômica e cultural no sistema mundial contemporâneo” (KNOX; TAYLOR, 1995, p. 7, apud RODRIGUES, 2004i, p. 443).
 
Objetivamente, nem todas as cidades possuem condições de atuar de forma autônoma nas relações internacionais por uma série de razões. Nem todas as cidades possuem atributos que despertam o interesse de outras cidades, países ou grupos internacionais. Uma vez que a ordem econômica que rege as relações internacionais está assentada no modelo de produção capitalista, é possível afirmar que não é apenas o tamanho da cidade que vai determinar se ela tem ou não condições de relacionar-se com o mundo, mas o que ela tem a oferecer.
 
Fatores geográficos como: localização, recursos naturais, matérias-primas, população e sua distribuição pelo espaço são alguns dos aspectos a serem considerados quando da participação das cidades nas relações internacionais. Também, o desenvolvimento econômico, a capacidade industrial instalada, o acesso e a capacidade de assimilação das recentes tecnologias da informação e da comunicação, o poder de compra e o nível de conhecimento da população bem como sua cultura são aspectos relevantes a serem considerados ante o tipo de participação que as cidades terão em seus relacionamentos internacionais.
 
Além desses, são fatores determinantes da participação das cidades nas relações internacionais os aspectos políticos (regime, forma e sistema de governo do país, mas também a cultura política local), legais (constitucionais) e institucionais (disponibilidade de recursos técnicos, humanos e financeiros) da cidade.
 
Romão (2009, p. 49) reforça essa opinião quando afirma:
 
[...] fatores geopolíticos, institucionais e econômicos estabelecem um quadro em que as cidades foram impulsionadas a potencializar a gestão pública a partir de estratégias que transpõem seu próprio território nacional e preceitos constitucionais.
 
Também Serra (2009, p. 74) assevera que:
 
A caracterização de uma região ou localidade como ator internacional é determinada por uma série de variáveis, como, por exemplo, o grau da descentralização de recursos, o padrão de relacionamento com o governo central e a disponibilidade de recursos. A questão geográfica também deve ser levada em conta, já que a proximidade territorial pode estimular o desenvolvimento de vínculos transnacionais entre localidades e regiões, embora não seja condição sine qua non, nem os vínculos dependam exclusivamente dela.
 
Os inúmeros desafios enfrentados por cidades de menor projeção em termos econômicos e políticos, sobretudo restrições de ordem financeira, são o maior estímulo para que venham participar das relações internacionais. É certo que se essas cidades desejam se lançar às relações internacionais terão possibilidades muito mais restritas nessa participação.
 
Assim sendo, de modo geral, é facultada a toda e qualquer cidade a busca por uma condução autônoma de suas relações internacionais. Não está facultada, porém, as condições para que essa atuação internacional ocorra na proporção e no tempo em que se deseja. A participação de governos locais nas relações internacionais envolve implicações que demandam tempo e condições específicas para ocorrer.

 
2 ASCENÇÃO DAS CIDADES ENQUANTO ATORES DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS
 
Com o aumento da interdependência e, mais acentuadamente, com a intensificação dos processos da globalização econômica (seguidos da diminuição do estado e da intensa prática de privatizações de serviços públicos básicos) no fim do século passado, os governos locais, principalmente das grandes cidades, viram-se diante de questões desafiadoras em função do grau de vulnerabilidade crescente de suas economias, cujo saldo para as cidades eram: aumento do desemprego, aumento da violência urbana, degradação ambiental, dentre outros.
 
Questões ambientais como aquecimento global, por exemplo, tornaram-se vitais para a sobrevivência de algumas cidades do mundo desenvolvido. Inúmeras iniciativas propondo mecanismos de “desenvolvimento sustentável” partiram das cidades de países desenvolvidos em direção a cidades de países “em desenvolvimento” cujos processos adotados na fase recente de industrialização por que passam tem sido considerados uma ameaça à vida do planeta.
 
Constatando a semelhança de desafios como este em outras cidades ao redor do mundo, os governos locais passaram a se articular em redes e fóruns internacionais na busca por experiências bem sucedidas de gestão pública e soluções compartilhadas, nas mais diversas áreas, como: saúde, mobilidade urbana, segurança, empregabilidade, desenvolvimento sustentável, etc.
 
Além do mais, os governos locais têm interesses próprios que não conflitam, mas também não são contemplados por iniciativas do governo central, como elucida Jakobsen (2009, p. 27):
 
As cidades, por exemplo, estão interessadas em se tornar conhecidas mundialmente para atrais eventos, visitantes e investimentos. E os governos municipais, em conseguir recursos – de preferência a fundo perdido – de cooperação técnica no exterior; realizar empréstimos de instituições financeiras internacionais e também influenciar os regimes internacionais e as políticas das organizações internacionais que afetam as cidades de alguma maneira.
 
O movimento crescente das cidades nas relações internacionais, contudo, deve ser compreendido como parte de um conjunto muito maior e mais abrangente de questões de ordem política, financeira, ideológica, cultural, que extrapolam as afinidades e complementaridades existentes entre governos locais ao redor do mundo. De igual maneira, o olhar atento do gestor local às transformações da realidade internacional, das interconexões entre o local e o global e as oportunidades de cooperação técnica ou financeira por parte de organismos internacionais não podem ser considerados isoladamente ante a vontade de se lançar à prática das relações internacionais.

As cidades estão sob as transformações tecnológicas, socioeconômicas e políticas do capitalismo mundial e estão também sob constrangimentos políticos, econômicos, financeiros, sociais, legais e institucionais da realidade doméstica. Equilibrar-se entre essas duas realidades, a interna e a internacional, e partir para uma articulação internacional autônoma é um desafio complexo, cuja análise não pode ser generalizada para todo tipo de cidade, dada as diferenças locais e regionais que as caracterizam.
 
É, portanto, a partir dessa combinação de fatores internos e externos, de caráter político, ideológico, cultural, econômico, institucional, etc. que se devem analisar as motivações e razões que justificam a participação das cidades nas relações internacionais e compreender como se deu a sua participação como protagonista das relações internacionais ao lado dos Estados e demais atores não governamentais.

 
3. CONSIDERAÇÕES SOBRE CIDADES E RELAÇÕES DE PODER DO CENÁRIO INTERNACIONAL
 
Sob o ponto de vista econômico e político, algumas cidades no mundo de hoje têm mais peso e representatividade que muitos Estados nacionais.
 
A globalização da economia, acompanhada do surgimento de uma cultura global, alterou profundamente a realidade social, econômica e política dos Estados-Nação, das regiões transnacionais e das cidades, local onde estão ocorrendo processos globais. Diferentemente do que acontece com o comércio internacional, a formação de espaços transnacionais nos quais se desenvolve a atividade econômica se dá com pouca ou nenhuma influência dos governos. Isso demonstra o grau de autonomia dos mercados financeiros, das grandes empresas de prestação de serviços, dos bancos e das matrizes das corporações multinacionais, que estão no centro do processo de criação da riqueza e que se localizam nas cidades. (SASSEN, 1998)
 
A globalização econômica é, portanto, ao mesmo tempo, responsável pela especialização e sofisticação da atividade econômica como também por acentuar e aprofundar a desigualdade social, sobretudo nas cidades.
 
As cidades, sobretudo em países periféricos e em desenvolvimento, se tornaram os lugares onde reside a maior concentração de riqueza, a pior distribuição de renda, a prática intensiva e desordenada do consumo pelas elites e classes economicamente privilegiadas sem o equivalente cuidado exigido em termos de gestão dos resíduos provenientes dessa prática, acentuando ainda mais os problemas de ordem ambiental. As cidades se tornaram, portanto, os lugares onde é possível observar facilmente a hierarquização dos espaços destinados aos ricos e dos subespaços que restam para abrigar os pobres e os excluídos, intensificando a violência urbana e a insegurança social.
 
Nesse sentido, Pedrão (2002, p. 12) assevera que “as cidades tornaram-se os lugares de nova luta social, entre os grupos aceitos como legítimos e os grupos integrantes da contra-sociedade da exclusão, da violência e da contravenção”. E acrescenta que:
 
Nas últimas três décadas, tem havido maior pressão sobre as cidades, principalmente sobre as grandes cidades dos países periféricos, por um conjunto de causas, que vão desde a fragilização das economias periféricas, ao aprofundamento da concentração internacional da renda, à destruição do emprego formal e às políticas de estabilização internacionais. Verifica-se que o perfil internacional da pobreza se mantém e se agrava, comprovando o fim de um período marcado por um discurso oficial de desenvolvimento econômico. (PEDRÃO, 2002, p. 15)
 
As mudanças sofridas pelas cidades nesse intervalo de três décadas ocorreram não apenas em intensidade, mas, sobretudo em torno de uma nova composição no tecido social, na base econômica e no equipamento físico das cidades (PEDRÃO, 2002). Por um lado, acentuou-se a desigualdade social na medida em que houve o agravamento da pobreza e a concentração ainda maior da riqueza nas mãos de poucos. Por outro lado, intensificou-se a urbanização sem controle e desprovida de planejamento. Por fim, a base econômica sofreu profundas e intensas transformações, deixando de ter o comércio internacional como maior responsável pelo volume dos fluxos internacionais e passando a ter as finanças e os serviços especializados como dominantes nas transações internacionais. A partir de então, as cidades tinham diante de si o desafio de acompanhar essas transformações por meio de uma nova gestão capaz de harmonizar os diferentes interesses dos diferentes grupos que participam da realidade política, econômica e social das cidades.
 
Entendemos, portanto, que a ascensão das cidades enquanto atores das relações internacionais, tem como marco histórico a globalização econômica que se acentuou na segunda metade do século passado, com a alteração do destino dos fluxos internacionais da economia, conforme afirma Sassen (1998, p. 25):
 
Quando os fluxos internacionais consistem em matérias-primas, produtos agrícolas ou minérios, a geografia das transações é determinada em parte pela localização dos recursos naturais. No plano da história, isto significa que um número maior de países da África, da América Latina e do Caribe forma lugares essenciais nessa geografia. Quando as finanças e os serviços especializados tornaram-se o componente dominante das transações internacionais, no início da década de 1980, o papel das cidades foi fortalecido. Ao mesmo tempo, a grande concentração dessas indústrias significa que, nos dias de hoje, apenas um número limitado de cidades desempenha um papel estratégico.
 
Sassen (1998) acredita que pelas funções de comando que exercem, as cidades globais desempenham um papel estratégico na economia mundial. Castells (1999), por sua vez, acredita que elas articulam a economia mundial, ligam as redes informacionais e concentram o poder mundial. Ou seja, as cidades globais terminam se articulando com outras de menor ou nenhuma projeção internacional, sob o impulso dos governos e de elites empresariais, estabelecendo vínculos comerciais, logísticos, culturais, etc., importantes para o desempenho de suas ações. Assim, a versatilidade dessas redes importa mais para a distribuição da riqueza e do poder do que a localização real dos centros de alto nível.
 
Sob a ótica das relações de poder, considerar esse conjunto de cidades como atores relevantes para as relações internacionais, ou seja, capazes de alterar o equilíbrio de poder ou a ordem do sistema, consiste em uma análise complexa, pois o que torna essas cidades relevantes é a concentração de indústrias, bancos e serviços especializados que ela abriga. Essas indústrias e bancos, por sua vez, têm sede em outras cidades, geralmente em países desenvolvidos.
 
O fato é que essas cidades congregam funções de comando na economia mundial, na medida em que combinam a dispersão geográfica das atividades econômicas e a integração dos sistemas (SASSEN, 1998). As cidades globais são um poderoso instrumento a serviço do capitalismo mundial.
 
Também chamadas de Megacidades, essas cidades, além de concentrarem as funções direcionais, produtivas e administrativas, ao menos do ponto de vista econômico, também controlam a mídia e, portanto, as informações que veiculam no mundo. (CASTELLS, 1999). Desta forma, o exercício do poder parece ser também exercido em grande medida por essas cidades.
 
Castells relaciona algumas dessas cidades, espalhadas pelo globo e, sobretudo, em países emergentes:
 
[...] Tóquio, São Paulo, Nova York, Cidade do México, Xangai, Bombaim, Los Angeles, Buenos Aires, Seul, Pequim, Rio de Janeiro, Calcutá, Osaka. Além dessas, Moscou, Jacarta, Cairo, Nova Delhi, Londres, Paris, Lagos, Dacca, Karachi, Tianjin e possivelmente outras são membros do clube. (CASTELLS, 1999, p. 493)
 
Há que se considerar ainda o aspecto social resultante da globalização da economia e que recai sobre as cidades, sobretudo nos países periféricos. Nesse sentido, Pedrão (2002) chama a atenção para o fato de que as cidades, sobretudo a partir da década de 70 com a aceleração da internacionalização da economia, tornaram-se “os lugares da maior desigualdade de renda, com as maiores concentrações de pobreza, exclusão, assim como, de contravenção, violência e de formas espúrias de poder” (PEDRÃO, 2002, p. 13).
 
Afirma ainda que “as grandes cidades são, além disso, os grandes centros de consumo, cujas demandas subordinam o perfil da economia das regiões e do país, em seu conjunto. Finalmente, são os lugares de maior concentração de resíduos de toda ordem onde se apresentam problemas de degradação ambiental [...]”. (PEDRÃO, 2002, p. 13).
 
A questão ambiental tem se tornado um tema central na agenda internacional das cidades de todo o mundo. Os riscos do aquecimento global impulsionaram a criação de redes de cidades com a finalidade de rever os mecanismos de desenvolvimento a partir da sustentabilidade ambiental .
 
Entendemos, portanto, que as cidades mais bem estruturadas econômica e politicamente, ocupam, de fato, um lugar privilegiado nas relações internacionais, participando em boa medida dos processos decisórios e, portanto, do exercício do poder político conforme afirma Lopes (2009, p. 131):
 
Com a entrada na época da globalização competitiva, aumenta a importância do papel e das funções da cidade na configuração do poder. A gradual perda de importância do poder nacional (que fica limitado pela necessidade de gerir os equilíbrios nacionais internos) abre a oportunidade para a afirmação de cidades que consigam atingir a escala de cidades globais, com recursos e competências suficientes para produzirem orientações estratégicas e para atraírem investimentos que lhes permitem autonomizarem-se dos ritmos mais lentos da evolução nacional.
 
Nesse contexto, a atuação internacional de governos locais não é uma ação compulsória e obrigatória. Também não deve ser exclusividade das cidades globais, das grandes cidades ou das megacidades. Diante dos efeitos perversos de uma globalização que ainda é desigual e excludente, entendemos a ação internacional dos governos locais como uma oportunidade de inserção qualificada das cidades no cenário internacional, de forma que a cidade possa definir o que e como deseja se articular com as companhias multinacionais, investidores estrangeiros, agências de cooperação internacional, organizações internacionais, cuja presença na cidade independe da intervenção do poder público municipal.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição de (1988); WINDT, Márcia Cristina Vaz dos Santos; PINTO, Antonio Luiz de Toledo (Colab.). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. 27. ed. São Paulo: Saraiva, 2001.
 CASTELLS, Manuel. A Sociedade em Rede. 6. ed. atual. São Paulo: Paz e Terra, 1999.
 JAKOBSEN, Kjeld. Poder local e relações internacionais. In: RODRIGUES, Gilberto Marcos Antônio; XAVIER, Marcos; ROMÃO, Wagner Melo. Cidades em relações internacionais: análises e experiências brasileiras. São Paulo: Desatino, 2009.
LOPES, Ernani Rodrigues (Coord.). O papel das cidades no desenvolvimento de Portugal. Lisboa: Sol, 2009.
PEDRÃO, Fernando. A economia urbana. Ilhéus: Editus, 2002.
RODRIGUES, Gilberto M. Política externa federativa: análise de ações internacionais de estados de estados e municípios brasileiros. 2004. 257 f. Tese (Doutorado em Ciências Sociais) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 200
RODRIGUES, Gilberto Marcos Antônio. A inserção internacional de cidades: notas sobre o caso brasileiro. In: VIGEVANI, Tullo . et al. (Orgs.). A Dimensão subnacional e as relações internacionais. São Paulo: EDUNESP: EDUC: EDUSC: FAPESP, 2004
ROMÃO, Wagner de Melo. O novo contexto das relações internacionais e a ação externa das cidades brasileiras. In. RODRIGUES, Gilberto Marcos Antônio; XAVIER, Marcos; ROMÃO, Wagner Melo. Cidades em relações internacionais: análises e experiências brasileiras. São Paulo: Desatino, 2009.

*Publicado no Boletim Informativo do IPS de Novembro de 2010
**Bacharel em Relações Internacionais, Mestre em Desenvolvimento Urbano e Regional, Professora universitária da UNIJORGE, membro do Conselho Fiscal do IPS