segunda-feira, 7 de novembro de 2011


Artigo*
Significado atual do setor nuclear para o Brasil

Anya Cabral**

O desenvolvimento do setor nuclear é hoje de extrema relevância na concepção estratégica de poder do Brasil. A opção nuclear engloba questões de autonomia energética e controle dos recursos energéticos, cuja disposição desigual leva a disputas internacionais. O controle da energia nuclear depende do desenvolvimento da tecnologia nuclear, tanto de prospecção de materiais radioativos, quanto de beneficiamento no processo do ciclo do combustível, mas também da tecnologia de geração de energia de origem nuclear que consiste numa gama complexa de produtos para construção e operação de usinas nucleares e centros de produção de radiofármacos, dentre outros. O uso bélico acirra a disputa pelo controle tecnológico da energia nuclear, ao limitar o acesso a essa tecnologia.

Detentor de reservas de minerais radioativos, o Brasil participa desde a década de 1940 do “mundo nuclear”. Essa posição, no entanto, não lhe garantiu vantagens no acesso à tecnologia nuclear, pelo contrário. O árduo caminho rumo à autonomia ainda não terminou, embora o Brasil já domine o ciclo do combustível.

A experiência brasileira mostrou que a tecnologia nuclear não se transfere e, enquanto o país se submeteu a acordos desiguais, primeiro com os Estados Unidos e depois com a Alemanha, pouco avançou no desenvolvimento tecnológico do setor. Esse avanço se deu quando, na ocasião do Programa AAutônomo de Desenvolvimento de Tecnologia Nuclear, conhecido como Programa Nuclear Paralelo, o país optou por investir no desenvolvimento de tecnologia própria.

A retomada do Programa Nuclear Brasileiro, que contempla a expansão da participação da energia nuclear na matriz energética brasileira, a construção de um submarino nuclear e o desenvolvimento em escala industrial do ciclo do combustível, juntamente com o anúncio do Plano Nacional de Energia 2030; o Plano Nacional de Energia Elétrica 2030; e a Estratégia de Defesa Nacional, revela uma mudança no papel estratégico do setor nuclear na política brasileira. Trata-se de reativar o setor em todas as áreas, simultaneamente, inclusive com a reformulação da base institucional. O Brasil assiste ao ressurgimento do setor nuclear, não só por acompanhar a tendência mundial da expansão da energia nuclear para a produção de energia elétrica, mas considerando o “nuclear” como estratégico para firmar sua posição no cenário geopolítico internacional e regional.

O futuro do setor nuclear brasileiro depende, no entanto, da capacidade do governo em conduzir o desenvolvimento simultâneo de todas as áreas, assim como ocorreu nos Estados Unidos, durante a Segunda Guerra Mundial. Mas se a guerra criou as condições favoráveis para a direção do processo pelas Forças Armadas, conjuntamente com o governo estadunidense, estas condições não se repetem atualmente no Brasil.

Apesar de todas as atividades relacionadas à área nuclear serem da competência da União[1], a estrutura de poder no país explica, em parte, a dificuldade do governo em se posicionar perante o conflito entre os interesses públicos e privados, sobretudo em um país onde se promove a privatização de setores estratégicos. A flexibilização do monopólio do setor nuclear ensejada pelo setor privado, com a concordância de membros do setor público, coloca em risco a autonomia nuclear brasileira necessária para a consecução do plano cujos objetivos são atingir a auto-suficiência energética, contribuir para a defesa das reservas energéticas e da Amazônia e o desenvolvimento tecnológico.

Em ano eleitoral redobram as preocupações quanto à política nuclear, tendo em vista a descontinuidade recorrente dos programas de um governo para outro. No caso do setor nuclear esta descontinuidade pode levar a graves conseqüências. Não se pode apenas abandonar uma instalação nuclear. O processo de descomissionamento e, sobretudo, o gerenciamento dos rejeitos radioativos produzidos pode levar centenas ou milhares de anos.

Por último, não se trata de um posicionamento contra ou favor da utilização da energia nuclear, mas de reabrir o debate sobre o tema, por tanto tempo velado por uma aura de mistério.



* Publicado no Boletim Informativo do IPS de março de 2010
** Pesquisadora, membro do Conselho Fiscal do IPS



[1] A exceção do transporte de material radioativo, que é regulamentado por lei e a utilização dos radioisótopos para pesquisa, usos medicinais, industriais, agrícolas ou equivalentes que pode ser realizada por terceiros, por meio de concessão ou permissão.




Artigo*
Não basta a retomada do crescimento econômico

Gilton Aragão**



Com a retomada do crescimento do produto interno em vários países surge também a esperança de que “tudo voltará a ser como antes”. E antes, tudo ia bem?

A crise financeira mundial, a partir da sua erupção mais visível, em setembro de 2008, decorreu de uma contradição estrutural, que não é exclusivamente econômico-financeira, abrangendo múltiplas áreas, inclusive a do meio ambiente.

Dentre os críticos da atual ordem econômica mundial, é quase um consenso a conclusão de que saíram desmoralizadas as principais teses do neoliberalismo, especialmente a auto-regulação e a eficiência do sistema e dos instrumentos financeiros sofisticados; trazendo de volta o debate sobre as formas alternativas de organização sócio-econômica das sociedades.

No Brasil, o governo federal tem divulgado que estamos indo muito bem e que somos o país que melhor enfrentou a crise, já que os números indicam a retomada do crescimento econômico. Entretanto, esses números são capazes de iludir. E quanto mais se aproximam as eleições, maior é a tentação de se produzir mensagens onde se exagera o positivo e se esconde o negativo.

O mercado interno brasileiro, embora venha crescendo, tem limites para esse crescimento e o mercado externo, basicamente a China e Estados Unidos, não é capaz de absorver todos os bens primários produzidos.  A estratégia de vender commodities agrícolas e minerais se aproxima do esgotamento, independentemente do risco representado pela chamada “doença holandesa”, a desindustrialização provocada por esse apego à exportação de bens primários.

É preciso ainda decodificar os números regionais e estaduais para se ver, com clareza, a persistência das nossas debilidades. Observar por exemplo que, se mantido o ritmo e a natureza do crescimento brasileiro, continuarão as disparidades sócio-econômicas e o acesso precário das pessoas situadas nas camadas sociais de baixa renda à educação, saúde, saneamento e habitação. O aumento da renda baseado em sua maior parte nas transferências e ações assistencialistas não é consistente com um modelo sustentável de crescimento. O provisório não pode ser definitivo e a participação da remuneração do trabalho na renda nacional tem que voltar a crescer.

Revendo a reação do governo brasileiro frente à crise dá para distinguir três fases: a primeira, a subestimação ou a “marolinha”: o status quo foi mantido, especialmente a política monetária e seus elevados juros, embora medidas pontuais tenham sido implantadas, visando conter o desaquecimento da economia brasileira; a segunda, o reconhecimento ou o “caiu a ficha”: o governo assumiu a gravidade da crise, mudou o discurso, porém continuou adotando medidas pontuais; e a terceira, um novo modelo: quando decidiu adotar um novo modelo de desenvolvimento. Mas, esse grande desafio vai ficar para o próximo presidente.

De fato, um novo modelo implica em uma nova estratégia de desenvolvimento que tenha como ferramenta básica, o planejamento. Crescer sem planejar pode travar. Novos valores e novos paradigmas devem ser estabelecidos. Quantos automóveis, por exemplo, as estradas e ruas brasileiras suportam? Para adotar-se um novo modelo tem-se que partir de um diagnóstico que não se restrinja a exibir um quadro otimista no curto prazo, nem a manter a estratégia construída nos anos 90.

Esse novo modelo deve surgir depois de avaliada a gestão e os resultados dos últimos anos, nos quais a sociedade brasileira acumulou elementos para refletir sobre quais são as forças políticas que estarão em melhores condições, em todos os aspectos, para conduzir essa transformação.

Esse novo modelo deve também incentivar a melhoria do nível de organização e de participação da sociedade civil, a convergência de interesses, a “concertação” com efetivo diálogo social, e o desenvolvimento sócio-econômico, preservando o meio ambiente. Em essência, isto significa: implantação de medidas capazes de modificar a atual ordem de prioridades, com a valorização de projetos voltados para os pequenos e médios empreendimentos, especialmente os cooperativos e solidários.



* Publicado no Boletim Informativo do IPS de Fevereiro de 2010

** Economista, professor universitário, Vice-Diretor Geral do IPS