quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

ATUAÇÃO INTERNACIONAL DE SALVADOR:

UMA ANÁLISE CRÍTICA DAS AÇÕES INTERNACIONAIS DA PREFEITURA DE SALVADOR DE 2001 A 2008

*M.Sc. Helena Francisca Ribeiro de Araújo Santana


Resumo
O trabalho apresentado representa um esforço no sentido de compreender o fenômeno contemporâneo da busca de uma ação internacional autônoma por parte dos governos locais, entes não-centrais do sistema federalista, com destaque para o caso de Salvador no período de 2001 a 2008. A análise contempla um estudo comparativo entre as ações internacionais adotadas na segunda gestão do Governo Imbassahy (2001-2004) e a primeira gestão do Governo João Henrique (2005-2008), apontando as diferenças entre as duas gestões, sobretudo em decorrência da criação da SECRI - Relações Internacionais, ente organizacional administrativo da Prefeitura de Salvador para as relações internacionais (2005). Nesse sentido, discutimos, numa perspectiva crítica, o papel da participação das cidades no cenário internacional, as motivações que impulsionam essa atuação internacional e as implicações decorrentes dessa atuação, sobretudo para a cidade de Salvador. Também refletimos sobre as condições de ordem técnica, política, econômica, social e legal que envolvem essa ação internacional. Apresentamos possibilidades para governos locais com atuação internacional que extrapolam o tratamento dado, quase que exclusivamente por grande parte da literatura, em torno do tema às questões relativas ao comércio exterior e às negociações internacionais. Tentamos resgatar o contexto histórico da atuação internacional de Salvador e destacar aspectos da situação política e econômica recente que motivaram a intensificação de sua atuação internacional por meio da institucionalização da área internacional em 2005 através da SECRI – Relações Internacionais. Compreender o pano de fundo ideológico dessa prática, as motivações que giram em torno dessa institucionalização e a mudança de SECRI – Relações Internacionais para Assessoria de Relações Internacionais configuram o objeto do estudo ora proposto.

Dissertação na íntegra - Download

*Helena Santana, pesquisadora do IPS, é formada em Relações Internacionais pelas Faculdades Integradas da Bahia e Mestre em Desenvolvimento Regional e Urbano pela Universidade Salvador.

domingo, 29 de agosto de 2010

ARTIGO

RACIONALIDADE LIMITADA E INCERTEZA NA PERSPECTIVA DE SIMON

*Cláudio Damasceno Pinto

Os trabalhos de Herbert Simon voltados, sobretudo, para a análise das organizações particularmente associada à grande firma capitalista fundamenta-se no processo de tomada de decisões no interior das organizações econômicas, estabelecendo um arcabouço analítico articulando economia e teoria organizacional possível de ser aplicado à administração pública e a diversos instrumentos de planejamento. Nesta perspectiva, seus estudos procuram demonstrar a fragilidade e o artificialismo da teoria neoclássica, a qual pressupõe a visão de informação completa e racionalidade substantiva dos agentes econômicos, com vistas à maximização de lucros da firma capitalista.

Neste sentido, as restrições que induzem as organizações para um cálculo econômico racional de natureza procedural encontra-se diretamente associada à questão da racionalidade dos agentes econômicos, a qual tem sido questionada há bastante tempo, em função dos pressupostos neoclássicos de que os agentes são dotados de racionalidade substantiva, admitindo-se que os mesmos possuem informação completa e tomam decisões racionais otimizadoras, visando a maximização de lucros da firma.

Ao contrário da perspectiva neoclássica de racionalidade substantiva, refutada pela falta de correspondência com a realidade prática dos mercados (caracterizados por autores não-neoclássicos por um ambiente imerso na incerteza e sujeito a inovações), as idéias de Herbert Simon (1970) as quais influenciaram a posteriori os trabalhos de North (1990) e Williamson (Teoria dos Custos de Transação) assumem um papel relevante na perspectiva da teoria econômica, destacando que os tomadores de decisão, ao contrário da visão neoclássica, estão longe de serem oniscientes, devido à existência de limitações em termos de conhecimento de todas as alternativas, incerteza acerca de eventos exógenos relevantes e incapacidade de calcular consequências e resultados de eventos futuros.

De acordo com Simon (1970), os seres humanos são intencionalmente racionais, mas apenas de forma limitada, possuindo um estoque limitado de informações e limitada capacidade de processamento em meio ao grande volume de informações e restrita capacidade cognitiva. Assim, as pessoas selecionam opções suficientemente boas ao invés de soluções ótimas. Essas soluções suficientemente boas, muitas vezes são encontradas por meio de pesquisa heurística na busca de possibilidades.

Diante das incertezas e complexidade do mundo econômico, de um lado, e da presença de gaps de informação e de competência, de outro, a racionalidade dos indivíduos se desloca dos objetivos em si (racional é a firma que maximiza lucros), para as ações (meios) efetivadas para a consecução de metas genéricas ou não estabelecidas. Neste caso, o conjunto de escolhas não é mais um dado do problema, mas sim uma variável: a questão é como construir um conjunto de escolhas, a ser atingido ao longo do tempo, e implantar um corpo de rotinas que assegure a existência de um processo de aprendizagem compatível com a obtenção de níveis de satisfação aceitáveis no tempo, na tradição das teorias gerencialistas e behavioristas. A racionalidade procedural, portanto, depende do processo que sustenta o comportamento do agente econômico, de modo que a ênfase é deslocada em si (Possas et al, 2002).

A incerteza sobre o comportamento das variáveis econômicas muitas vezes impede a ação racional dos agentes econômicos, não permitindo prever acontecimentos relevantes ou mesmo as conseqüências das ações de cada um. Em um ambiente de racionalidade limitada, os agentes procuram desenvolver formas organizacionais que permitam a tomada de decisão sem o conhecimento das variáveis relevantes. Neste sentido, a incerteza associada ao comportamento humano origina-se da falta de conhecimento para prever os eventos futuros, incapacidade de associar eventos a resultados por ausência de informações necessárias, residindo aí parte das explicações para a não previsão, por parte dos agentes econômicos, de crises cíclicas ocorridas na economia capitalista.

Ao contrário do que defendiam os neoclássicos, a incerteza permeia o ambiente econômico de tal maneira que o mercado não sinaliza tudo para as empresas. As decisões de investimento são realizadas num ambiente de incerteza, e as firmas não sabem, por exemplo, se, após uma possível inovação tecnológica ou organizacional por ela realizada, o mercado vai sancionar tal produto ou serviço, já que não existe o conhecimento total das informações mercadológicas.

Dada a constatação da existência de limitação de racionalidade, e de que os agentes econômicos são incapazes de antecipadamente prever e estabelecer medidas corretivas para qualquer evento que possa ocorrer quando da futura realização da transação, de modo que as partes envolvidas devem levar em consideração dificuldades decorrentes da compatibilização das suas condutas futuras e de garantir que os compromissos sejam honrados dentro da continuidade da sua interação. Neste contexto, as formas organizacionais adquirem importância na avaliação da eficiência econômica (Possas, 2002).

Sendo assim, as firmas estabelecem rotinas associadas à capacidade tecnológica e organizacional, essenciais para reduzir custos, aumentar a produtividade e melhorar a qualidade de produtos e processos cada vez mais racionalizados e eficientes.

Diante da existência de racionalidade limitada dos agentes econômicos Douglas North (1990) defende a utilização de uma racionalidade processual do tipo Herbert Simon, admitindo-se que a partir do momento em que os agentes não conhecem o mundo sobre o qual devem decidir, passam a construir realidades subjetivas dele e a atuar sob estas. Para este autor, racionalidade não significa atingir uma situação ótima, mas sim agir de maneira mais razoável possível na busca de determinados fins, dada a pobreza informacional.

Assim, considerando-se as restrições existentes para o cálculo de otimização e maximização lucros das firmas, torna-se necessário a decomposição do problema e a criação de rotinas gerais, visando facilitar a tomada de decisão do agente em ambientes econômicos imersos na incerteza, na complexidade e na limitação da capacidade cognitiva dos agentes. Defende-se a utilização de uma racionalidade processual difundida por Simon (1990), a qual se caracteriza como uma teoria do aprendizado comportamental que busca compreender o comportamento corrente de um ser humano em termos de sua experiência passada.

A escolha, portanto, fundamenta-se num repertório de padrões comportamentais, hábitos, rotinas e programas, de tal maneira que este repertório condensa a experiência passada do agente econômico, ou seja, as decisões tomadas no passado (soluções conhecidas) tem, portanto, forte influência sobre as possibilidades do presente, implicando em reações por parte dos agentes econômicos. Desta forma, de acordo com a experiência e aprendizado acumulado busca-se melhorar os dados, níveis informacionais e computacionais, diminuindo os erros de previsão e aumentando a flexibilidade e alternativas para a tomada de decisão em ambientes não-ergódigos (em que não há previsibilidade perfeita), não estacionário e sujeito a inovações.

Finalmente cabe aqui destacar a importância dos trabalhos de Simon, servindo de base e influenciando fortemente o desenvolvimento de trabalhos de cunho behaviorista, destacando o papel do aprendizado e da experiência, caracterizando a organização como unidades “racionalmente adaptativas” capacitadas para o aprendizado decorrente da experiência, além da relevante influência da obra de Simon, a partir do conceito de racionalidade limitada, no desenvolvimento da Teoria dos Custos de Transação, Teoria do Agente-Principal e da Teoria Evolucionista, mostrando claramente a correlação positiva entre as diversas teorias da firma, condicionado por um processo de evolução e contribuição das teorias econômicas para os avanços normativos e aplicativos no campo das ciências sociais, com vistas ao desenvolvimento de instrumentais analíticos visando estabelecer uma maior correspondência entre a teoria e o ambiente econômico na qual as firmas capitalistas encontram-se inseridas.


REFERÊNCIAS

CHANDLER Jr. A. O que é uma firma? Uma Perspectiva histórica. In: Cadernos de Economia. Textos Selecionados em Teoria da Firma. Universidade Federal do Espírito Santo, 1999

COASE, R. A natureza da firma.In: Cadernos de Economia. Textos Selecionados em Teoria da Firma. Universidade Federal do Espírito Santo, 1999.
FIANI, R. Estado e Economia no Institucionalismo de Douglas North. Revista de Economia Política, vol.23, n.2, abril-junho/2003
GALA, P. A Teoria Institucional de Douglas North. Revista de Economia Política, vol. 23 n.2, abr-jun, 2003
HODGSON, G. El Enfoque de la economia Institucional. In: Análisis Econômico,1998
KUPFER, David; HASENCLEVER, Lia. Economia industrial: fundamentos teóricos e práticos. 2.ed. Rio de Janeiro: Campus, 2002
NELSON, R. Por que as firmas diferem e qual a importância disso? In: As Fontes do Crescimento Econômico. Campinas: Unicamp,
NORTH, D. El desempeño económico a lo largo del tiempo. México: Fondo de Cultura Económica, 1994
NORTH, D. La teoría económica neo-institucionalista y el desarrollo latinoamericano. Barcelona: Instituto Internacional de Gobernabilidad, 1998
PELAEZ V; SZMRECSÁNYI, T. Economia da inovação tecnológica. São Paulo: Hucitec, 2006
POSSAS, M. L. et al. Ensaios sobre economia e direito da concorrência. São Paulo: Singular, 2002
POSSAS, S. Concorrência e competitividade: notas sobre estratégia e dinâmica seletiva na economia capitalista. São Paulo: Hucitec, 1999;
SIMON, H. A. A Agulha e o palheiro. In: Os filósofos do capitalismo, Capítulo 8.
SIMON, H. Limites da Racionalidade Substantiva. Teoria das Organizações. Rio de Janeiro: Fundação Getulio Vargas, 1970
TIGRE, P. Paradigmas tecnológicos e teorias econômicas da firma. RBI, vol 4, n.1, jan/junho, 2005
WILLIANSON, O. The Economic Institutions of Capitalism. London: Free Press, 1985

sexta-feira, 30 de julho de 2010

ARTIGO

CONSIDERAÇÕES SOBRE O EXCEDENTE ECONÔMICO A PARTIR DE LUIZ FELIPE DE ALENCASTRO: O TRATO DOS VIVENTES

Nilton Kosminsky*

“Quer dizer então que o Brasil se formou fora do Brasil? É exatamente isso: tal é o paradoxo histórico que pretendo demonstrar nas páginas seguintes.” (Alencastro, p. 9).

Nosso ponto de partida se assemelha ao do autor, com uma ressalva: a formação do Brasil se dá fora e dentro do Brasil. Ou seja, o processo de acumulação deste país, se remonta a uma zona de produção agrícola escravista, implantada dentro do Brasil, com sua contrapartida, a reprodução dessa mão de obra escrava, fora do Brasil, mais especificamente na África. É o mesmo processo de colonização, introduzido através de uma relação biunívoca, sob as bases de uma política mercantil, cujo chassi está dado por um singular movimento do capital comercial, que assim como comercializa sua mercadoria mão-de-obra, subverte-a em ferramenta de produção. Partia-se do princípio que o ingrediente necessário e de bom alvitre para o funcionamento da estrutura colonial, era a mão de obra escrava, não importando sua cor. Bem que se tentou a escravidão indígena no continente sul americano, apesar da enorme resistência empregada pelo clero, principal sócio ideológico da Coroa em suas empreitadas. É precisamente a combinação entre os engenhos açucareiros e sua mão de obra escrava, onde reside a possibilidade de transição de uma economia de coleta, baseada na exploração do pau-brasil e na compulsória mão-de-obra indígena, para uma nova engrenagem, uma nova forma, protagonizada pela Coroa, de extração do excedente econômico que se encontrava diluído entre a pirataria e o autoconsumo da colônia. Assim, ao garantir, de maneira paulatina, o controle desse excedente econômico, mediante as taxações do comércio negreiro e do “exclusivo” sobre a produção açucareira, a Coroa assume o papel motriz do processo de acumulação, garantindo o excedente gerado para sua reprodução, através da transformação das conquistas em economias tributárias, o que irá reforçar sobremaneira o poder central reinol. O malogrado sistema de Capitanias Hereditárias, introduzido em Brasil, Angola e na ilha de São Tomé, resulta, no caso angolano, na instalação de um sistema operacional análogo ao das encomiendas, que permite a concessão, de nativos e terras, aos conquistadores e jesuítas, mas que exigia em contrapartida o pagamento de tributos. Abria-se a cancela para a escravidão, na medida em que esses tributos, na maioria das vezes, devidos, eram pagos sob a forma de escravos que os amos (acepção usada por Alencastro) exportavam para a América. Ora, frente a essa possibilidade, aunado ao fato da inexistência de minas de prata, em território angolano, Alencastro sugere a pavimentação do processo escravista que aflora como a principal atividade extrativista do reino de Angola. Mais uma vez, a Coroa toma para si o projeto de garantir o excedente, na medida em que extingue o sistema de Capitanias Hereditárias em Angola nomeando um governador-geral, quase cinquenta anos depois da posse de Tomé de Souza, primeiro governador-geral do Brasil, em 1549. Ao finalizar o século XVI, encontramos uma das mais importantes formas de acumulação, desenvolvida pelo capital comercial, e com amplo respaldo reinol, que é a instituição do asiento que consistia em polpudos contratos realizados entre a Coroa espanhola e empresários portugueses cuja função era a comercialização de escravos para as colônias espanholas. Mediante a implantação do tributo nessa transação comercial, a Coroa portuguesa não só garantia uma importante fonte de renda, como assegurava, conforme afirmamos acima, o controle do tráfico negreiro. A reprodução do capital comercial está garantida, assim como a fonte originária de acumulação de capital encontra um importante elemento de concreção, na medida em que esses recursos se disseminarão pela Europa como um todo.

É interessante como Alencastro aborda o problema da centralidade na geração do excedente, desde um ponto de vista espacial, na medida em que determinadas regiões, que até o final do século XVII, se encontravam deslocadas do processo negreiro, se mantêm a margem do que o autor chama geografia comercial, como são os casos da Amazônia, Maranhão, Pará, Piauí e Ceará. Ao longo dos séculos XVII e XVIII, a Coroa faz inúmeras tentativas de inclusão dessas regiões, criando governos separados que voltam a ser reunidos sem, no entanto, se integrarem plenamente ao projeto de construção colonial. Como contrapartida, Angola aparece inteiramente ajustada ao processo negreiro.

A aurora do século XVII traz, entre erros e acertos, mais uma tentativa reinol, de concentrar o processo de extração do excedente econômico, gerado por sua colônia americana. Bloqueando prerrogativas anteriores, o Estado Absolutista português, limita a participação do capital comercial internacional, estabelecendo o monopólio metropolitano no além-mar, desencadeando um processo triangular, onde as mercadorias produzidas por sua colônia americana são exportadas através da metrópole que por sua vez, abastece sua colônia com aquilo que Alencastro chama de “fatores da produção”: os escravos. Fecha-se, portanto o círculo de produção e apropriação do excedente econômico colonial. Concomitantemente e de uma maneira visceral, a organização clerical, ainda encabeçada pelos jesuítas, se arvora o papel de vanguarda da política e da economia metropolitana nos territórios colonizados. Desponta a inquisição como a fantasmagoria impiedosa, convertida num verdadeiro aparelho ideológico reinol. A aristocracia portuguesa, acuada, costumava utilizar a artimanha do Santo Ofício em seu enfrentamento contra a burguesia ascendente, de origem judaica, e a essa altura já convertida em cristã nova, obrigando-a a se refugiar em terras mais brandas, onde o talmude e as riquezas fossem aceitos indiscriminadamente. Holanda, país protestante, acolhe os refugiados judeus, dessa nova diáspora, engrossando sobremaneira seu capital comercial. Sem dúvida, esse processo de êxodo tende a truncar o processo de acumulação interno em Portugal.

Alencastro (p. 33/34) cita com muita pertinência, alvarás régios datados de 1554 e 1559, onde se incentivam a construção de engenhos açucareiros e, em caráter de oferta, a importação de 120 escravos com desconto de 2/3 sobre as taxas de importação. É interessante ressaltar, que a corrente negreira, localizada no Caribe, mais precisamente no “laboratório” régio de São Tomé, se desloca então, e de forma definitiva, para a América do Sul. Não está por demais lembrar, que o primeiro Governador-Geral, aportou por essas terras em 1549, o que significa pensar que o processo de integração do escravo à agricultura açucareira é quase tão antigo quanto à própria colônia, salvo localizadas tentativas do uso de mão-de-obra indígena, ao longo do processo de colonização.

Gostaríamos de deixar registrado, de alguma maneira, um fato que nos parece de suma importância: a mudança qualitativa ocorrida na relação entre a Coroa e um importante setor do colonato, a partir da participação deste na guerra contra os holandeses que haviam invadido Angola (1641/1648) e, a expulsão dos mesmos de Recife e Olinda (1654). Esse fenômeno adquire relevância na medida em que a Coroa, fragilizada, emergindo de um longo processo de “restauração” (1580/1640) encontra nesse referido setor apoio financeiro e militar, obviamente capitaneado pelos mais graduados traficantes em operação na colônia, com enorme trânsito junto à Corte, membros inclusive do Conselho da Fazenda e do Conselho Ultramarino. Não é necessário insistir em que esses préstimos foram generosamente recompensados, pela Coroa, com importantes cargos de comando tanto em Angola como no Brasil. Para efeito de nosso recorte, interessa destacar que o mencionado entendimento e parceria, de cunho militar e financeiro, teve como resultado um novo olhar reinol sobre sua colônia, na medida em que, como afirma Alencastro, o processo de imbricação entre as duas regiões se apresenta então, a partir dessa experiência conjunta, como muito mais relevante do que havia sido percebido até então pela Coroa, ficando claro para ela, o papel complementar desenvolvido entre a economia brasileira que exporta açúcar, tabaco, algodão, etc., e a economia africana que, viabilizando a economia brasileira, exporta escravos. Ora o que pretendemos destacar é o papel essencial da região africana, no processo de acumulação originária brasileira, assim como sua contrapartida africana, a desacumulação em seu próprio território. A produção de sua mercadoria essencial, a escravidão, jamais se realizou internamente e sua reprodução, nunca foi responsabilidade do sistema e sim de suas lutas internas, tribos e famílias. O único beneficiário sistêmico foi o negreiro, vinculado ou integrado ao capital comercial. Um exemplo bastante elucidativo é a participação, através de uma verdadeira articulação de interesses, de traficantes e funcionários régios, tanto de Angola, como da Costa de Mina e Guiné, do financiamento da mercadoria escravo, para os senhores de engenho. Esse procedimento, sazonal, é verdade, permite avaliar a importância do tráfico, que a partir dessa iniciativa, passa a ter controle sobre o ciclo produtivo e, o que é mais importante, metamorfoseando-se em aval do reinvestimento na agricultura açucareira através de fatores da produção (escravos). Dessa maneira, o excedente gerado na produção, via financiamento, acaba por ser transferido para o setor mercantil, criando uma imbricação definitiva entre essas esferas, permitindo a consolidação do tráfico negreiro como elemento motriz da estrutura econômica colonial.

*economista, doutorando, pesquisador do IPS

quinta-feira, 15 de julho de 2010

GRUPOS DE ESTUDO

PRÓXIMOS ENCONTROS
REPI - RELAÇÕES ECONÔMICAS E POLÍTICAS INTERNACIONAIS
Coordenadora: Rafaela Ludolf
"Leitura do livro de Giovanni Arrighi: O longo século XX"
Próxima reunião: 1  de setembro de 2010 (quarta)
Local: Unipessoa
Horário: 18:00h
contato: gruporepi@gmail.com

ETA (energia) - ENERGIA, TECNOLOGIA E AMBIENTE
Coordenadora: Anya Cabral
"Leitura do livro de Hélder Queiroz: Economia da Energia"
Próxima reunião: 4 de setembrode 2010 (sábado)
Pauta: Apresentação de Mayana Moura: "Economia da indústria do petróleo"
Local; Unipessoa
Horário: 10:30h
contato: ips.eta@gmail.com

TEORIA SOCIAL
Coordenador: Fernando Pedrão
"Estudo da Obra de Antonio Negri: O poder constituinte"
Próxima reunião: 2 de setembro de 2010
Local; Unipessoa
Horário: 15:00h
contato: institutodepesquisassociais@gmail.com

HISTÓRIA
Coordenador: Nilton Kosminsky
Em formação
Inscrições: institutodepesquisassociais@gmail.com

ARTIGO

JUNTAR OS CACOS, OU VOLTAR A ALGUM ESTRUTURALISMO

Fernando Pedrão*

O século XX trouxe diversas manifestações de rejeição por formas integradas, discursos unificantes, visões de síntese. As diversas explosões de descontentamento com a regra unificada, em estética, em política, em economia, em arquitetura, e que ficaram com o apodo de pós-modernismo, deixaram um imenso vazio entre o universo das aparências despedaçadas e o mundo das verdades essenciais, das situações inevitáveis. No essencial, uma absorção do que o mundo da civilização industrial avançada se defronta em termos de fragmentação, perda de continuidade entre raízes e ramificações. O primeiro paradigma imperial do mundo industrial, o britânico, enfrenta dificuldades crescentes desde a primeira grande guerra e assume uma estratégia mundial defensiva, enquanto o poderio ascendente norte-americano utiliza uma linguagem de anti-império executa sua primeira grande aventura com a guerra contra a Espanha. As ideologias acompanham as vicissitudes do poder. A arte reflete o mundo internamente quebrado através do cubismo, do dadaísmo e do surrealismo. Expõe-se a distância entre o mundo dos ricos perplexos e enfastiados e o dos pobres impacientes. Configura-se a diferença entre o modo de pensar das nações que se sentem proprietárias do mundo, com direito a intrometerem-se nas demais e as que não desejam patrocínio e rejeitam intervenções de quaisquer tipos.

Nessas condições, parece fácil confrontar com o mundo da ordem imposta, das metodologias enquadradas e dos movimentos simétricos, quando o debate de método se coloca além dos problemas prosaicos da sobrevivência. O mundo pós-moderno torna-se aséptico, desligado de conflitos sociais. Um mundo sem processos de exclusão, sem pessoas gravemente pobres, incuravelmente excluídas. Nele se encontram economistas fascinados com Harvard – já não com Cambridge – sociólogos em dúvida entre sua filiação a Paris ou a Duke, arquitetos tensionados entre a estética veneziana ou o vidro e aço norte-americano. O mundo mecanicamente moderno é exclusivamente europeu e não consegue se transferir para a América em geral, sem absorver os diversos modos de separação dos projetos coloniais - espanhol, português, holandês, inglês - com suas diversas estratégias de separação. Se o modernismo na Europa é uma representação da unidade da sociedade do capital, na América ele carrega todas as contradições inerentes a estas sociedades novas. Na América as culturas saxônicas e latinas carregam diferentes modos de tratar com o passado e praticamente se dividem entre as que querem acertar contar com um determinado passado e as que simplesmente negam que haja um passado ou que ele seja relevante.

A visão de mundo posterior à unidade compromete a capacidade do império para exercer seu papel imperial. Os Estados Unidos fazem muito para desempenhar esse papel que historicamente lhes coube. Mas ressentem, por um lado de falta de sofisticação para lidar com nações velhas e manhosas e por outro lado, pelo lastro representado por seu fundamento puritano e racista explícito. Aderindo a uma filosofia individualista de vida e com uma homogeneização de linguagem privada para a vida pública, os Estados Unidos encontram-se com aliados temporários capazes de manejar suas atuações políticas com o cinismo necessário para proteger seus interesses de classe. O individualismo torna-se inoperante para decodificar perfis de comportamento político determinados por combinações de posições de classe com privilégios estamentais, negados e operantes. O pragmatismo, as estratégias corporativas, a paranóia da gestão, desenvolvem-se na superfície de problemas derivados dos processos de poder, econômico e político. Uma filosofia que rejeita o fundamento ontológico de problemas que reduz a comportamentos, a estudos de caso.

A verdade é que o pós-modernismo, com suas diversas variantes, tornou-se cansativo. Há agora um imperativo categórico que não é somente ético, como queria Kant, mas que é ideológico e ontológico. Com a denúncia do irracionalismo e o foco em uma ontologia do ser social Lukács marcou um caminho que vai à raiz dos problemas de identidade das nações não centrais. Não precisamos dizer que rejeitamos o pragmatismo e a pós-modernidade porque nossa presença já é uma negação suficiente daquelas autoridades.

A acumulação de contradições mostra como a “fortaleza” Europa é um iceberg que desmorona pelo sul. O discurso europeu da pós-modernidade perde validez na própria Europa antes de chegar seriamente à América do Norte. Nós outros, de toda a extensão do sul, caminhamos para novas situações estruturais sem termos mais que nos preocuparmos com as novas roupagens do colonialismo inercial da Europa.

terça-feira, 1 de junho de 2010

NOVO GRUPO DE ESTUDOS SOBRE TEORIA SOCIAL

Teve início no día 1/06/2010 a primeira sessão do GRUPO DE ESTUDOS SOBRE TEORIA SOCIAL, coordenado por Fernando Pedrão, focalizando na obra de Antonio Negri. Os textos considerados serão: Império, Multidão e Cinco Lições sobre o Império.
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A próxima sessão está marcada para quinta feira 12 de agosto às 11:00h em ponto, à Rua José Peroba, 275, Ed. Metrópolis, cobertura (sede da UNIPESSOA), STIEP.
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A participação nos grupos de estudos é gratuita e exclusiva aos sócios do IPS.
Aos interessados em participar do Grupo ou do IPS, contactar a Diretoria do IPS através do e-mail: institutodepesquisassociais@gmail.com.
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REFERÊNCIAS
NEGRI, Antonio; HARDT, Michael. Império. Rio de Janeiro/São Paulo: Record, 2004
NEGRI, Antonio. Cinco lições sobre o Império. Rio de janeiro: DP&A, 2003
NEGRI, Antonio; HARDT, Michael. Multidão. Rio de Janeiro: Record, 2005

ARTIGO

A BUSCA DE UMA VISÃO INTEGRADA DA EXPERIÊNCIA SOCIAL

Heron Albergaria*


As crises carregam consigo todo um ingrediente de negação e revelação. Por meio das crises surgem circunstâncias inusitadas que, ao negarem certos aspectos do curso histórico imediatamente anterior, acabam por revelar facetas até então pouco sintetizadas da totalidade social. Em virtude da crise mundial cujo estopim de propagação foi deflagrado em setembro de 2008, parece consensual que o movimento histórico tenha voltado a alvejar algumas referências do pensamento liberal. Com efeito, pelo menos é possível afirmar que ele fez cambalear a conhecida presunção de racionalidade no comportamento conjunto dos agentes econômicos.

No entanto, o colapso nas premissas de uma determinada linha interpretativa não elege, como simples correia de transmissão automática, as premissas das demais, muito embora possa realmente adubar seu revigoramento. Tal qual ocorrido na crise de 1929, é pouco provável que os eventos em 2008 cheguem a solapar os itens atingidos do liberalismo, pois, sua sobrevida jamais esteve sustentada por fios meramente factuais. Então, faz-se mesmo necessário prosseguir revendo as condições atuais de validade do pensamento crítico à ordem liberal.

A atualização das categorias teóricas, ou seja, a reconstituição crítica dos fundamentos com os quais se trabalha, é um componente essencial da atividade científica. Sua tarefa é, como vem aqui ao caso, reavaliar os níveis de compatibilidade entre o arcabouço teórico assumido como referência e a interpretação das transformações historicamente observáveis na realidade social. Se consistente, as idas e vindas nesse instigante e árduo trabalho podem efetivamente recompor os alicerces da leitura crítica para reorientar os horizontes da pesquisa aplicada.

Isso não é algo que se faça apenas por escolha metodológica. O desenvolvimento recente nas condições técnicas da pesquisa científica vem revolucionando constantemente as bases da ciência moderna. As revelações obtidas, por exemplo, pelo campo da física quântica, da biogenética, das interações nos fenômenos ambientais, ou da arqueologia estão redefinindo os parâmetros de adequação de bases conceituais sobre as quais as próprias ciências da natureza e da sociedade foram progressivamente edificadas. A irreversibilidade extraída em Prigogine/Stengers, o acaso em Monod, a incerteza em Heisenberg, a convergência em Capra, a metamorfose nas classes sociais em Chico de Oliveira, a emergência das transições paradigmáticas em Boaventura Santos, dentre outros, são testemunho disso. Extrai-se daí um reconhecimento notório da necessidade de atualização do aparato teórico.

Os filósofos gregos da antiguidade ficariam perplexos se soubessem a quê tantos avanços nos conduziram. Tão enraizada na ciência moderna, a departamentalização do conhecimento aparenta sinais de exaustão face o desenvolvimento científico que ajudou a proporcionar. Esses sinais ainda estão sendo assimilados pelos centros de estudo. Seu desafio é recondicionar o seu caminhar durante a própria caminhada, para torná-la apta às próximas jornadas.

* Economista, Mestre em desenvolvimento regional, Membro do Conselho Fiscal do IPS

segunda-feira, 24 de maio de 2010

CURSO DE EXTENSÃO: A ECONOMIA POLÍTICA CRITICA DE MARX

O Instituto de Pesquisas Sociais – IPS lança a 6ª edição do curso de extensão “A economia política crítica de Marx” a ser realizado nos meses de Maio a Julho de 2010.

O curso, ministrado pelo Prof. Fernando Pedrão, focaliza o sentido de totalidade contido no movimento geral da formação da obra de Marx, tentando realizar as duas tarefas principais de identificar a relação entre os fundamentos históricos e as categorias de análise e o movimento dialético da estruturação da obra em seu conjunto.

A imensa literatura existente sobre a obra de Karl Marx compreende trabalhos descritivos e resumos, trabalhos especializados sobre aspectos considerados como mais importantes, mais polêmicos ou de interesse mais imediato, além de um grande número de textos superficiais ou que incorrem em simplificações impróprias. No entanto, a compreensão da totalidade é necessária para todos aqueles que pretendem visualizar a contribuição de Marx na formação de uma consciência crítica no campo social, portanto, aqueles que se defrontam com os problemas renovados no eixo de alienação, subalternidade e emancipação.

OBJETIVOS

1. Oferecer uma visão integrada e historicamente situada do pensamento de Karl Marx, focalizando em seus fundamentos econômicos e sociais e filosóficos. 2. Apresentar uma exposição organicamente organizada, tendo como referência central O Capital.

3. Identificar desdobramentos da análise social de Marx no contexto das ciências sociais para os países periféricos.

CARGA HORÁRIA: 20 horas
LOCAL: Rua José Peroba, 275, Ed. Metrópolis, cobertura (sede da UNIPESSOA), STIEP.
DATAS: 21/05, 28/05, 11/06, 18/06, 09/07, 16/07, 23/07
HORÁRIO: das 14:00h às 17:00h.
INVESTIMENTO: R$100,00 para sócios e R$200,00 para não sócios, pagos no ato da inscrição. Os alunos receberão um arquivo em PDF contendo o texto do curso de cerca de 140 páginas, cuja leitura deve ser iniciada antes das aulas.
PAGAMENTO: Depósito identificado na conta corrente do Instituto de Pesquisas Sociais – IPS:
Banco do Brasil~
ag. 2956-4
c/c 12171-1
PÚBLICO ALVO: Profissionais com curso superior completo e estudantes universitários
INSCRIÇÕES:
institutodepesquisassociais@gmail.com
CERTIFICADO: Pelo Instituto de Pesquisas Sociais.
AVISO: Recomenda-se a leitura prévia do capítulo "A gênese e a metamorfose do capital" do texto de Fernando Pedrão, pp.120-168

quarta-feira, 5 de maio de 2010

ARTIGO

A GÊNESE POLÍTICA DE BARACK OBAMA E O PAPEL DE UMA UNIVERSIDADE DE EXCELÊNCIA

Amílcar Baiardi*

Diante de tanta perplexidade decorrente do fato de um afro-descendente chegar à Casa Branca, convém fazer um exercício sobre como isto se tornou possível e concordar com Mia Couto, quando afirma que Barack Obama, pelo que tem de democrático e plural, dificilmente seria eleito por um país africano e se fosse não tomaria posse ou seria deposto. Obama, muito além de ser o presidente que qualquer Estado nação merece, culto, sensível, ético, tolerante, sonhador, etc., por pertencer a uma minoria até pouco tempo atrás discriminada, cria expectativas extraordinárias e a sensação de que o mundo está mudando. Será isto verdade? O que está por trás deste fenômeno?

Se tivesse de indicar a primeira causa do acontecimento inusitado diria que Barack Obama se tornou presidente dos EEUU graças a uma determinante de primeira instância que foi sua mãe Stanley Ann Dunham, não somente pelo fato biológico de lhe ter concebido, mas pelo que significou em termos de ensinamentos e exemplos na linha da universalidade de valores como tolerância racial e religiosa e capacidade de se envolver em projetos de combate à pobreza e redução das desigualdades, tanto do ponto de vista teórico (uma tese de 800 páginas sobre os camponeses de Java) como prático (lutas sindicais em favor das mulheres e criação de instituições de micro-crédito). A estas características deve-se somar sua cultura hippie e sua disposição de ser iconoclasta, mandando às favas todos os preconceitos e fazendo sexo livremente, como deve ser, com homens de raças diferentes da sua, africano e asiático.

Como segunda causa mais importante indicaria o fato de Obama ser cidadão norte-americano e ter vivido na última década e feito carreira política nos EEUU setentrional. Ali, aonde chegaram os “pilgrims” do Mayflower, impregnados de valores religiosos separatistas e visões de mundo compartilhadas com os puritanos, que mais tarde levariam à experiência democrática e republicana de Cromwell, à crença nas possibilidades da ciência por meio de Francis Bacon e à valorização das liberdades individuais por meio de Locke. Os pilgrims fundaram uma nação baseada na propriedade agrícola familiar e no trabalho manual, por eles muito valorizados, e foram capazes de manter relações pacíficas com os povos indígenas. Neste ambiente cultural criavam-se oportunidades menos desiguais de ascensão social e se fomentava o ensino, entre eles o ensino universitário. Estas visões de mundo, somadas ao ascetismo que favorecia a poupança e a acumulação primitiva, levaria à prosperidade, a um tecido social coeso e à formação do core competence da nação americana. Nele não havia lugar para a escravidão colonial e este território setentrional americano não hesitou, mesmo diante do risco de divisão do país, de guerrear o sul escravista, cuja organização econômica se baseava na plantation.

Este retrato da dinâmica histórica do território setentrional norte americano que passou a ser definido pelos historiadores do econômico como o modelo de colonização de povoamento, é o oposto ao que os colonos portugueses fizeram no Brasil, que nasce sob a égide da plantation açucareira, funcional ao capitalismo mercantil e labour intensive como sistema econômico. Como os valores fidalgos da Península Ibérica rejeitavam o risco e o trabalho manual e diante da inexistência de excedentes populacionais, buscou-se a equação alocativa de fatores produtivos mais óbvia: suprir o trabalho por meio da escravidão mesmo que isso significasse a destruição de nações tribais e a restauração de relação de trabalho que se supunha superada, instituindo o opróbio e a destruição física de populações. O que havia de mais atrasado na Europa enquanto instituições, os Estados e as sociedades da Península Ibérica, inventam a colônia de exploração e o escravismo colonial na América.

As conseqüências da escravidão para o Brasil, latifúndio, exclusão social e oportunidades desiguais de ascensão social, só seriam melhor avaliadas pelas gerações futuras, como disse Joaquim Nabuco. Destarte, não só Obama teria pouca viabilidade na África, como no Brasil também.

Como terceira causa mais importante indicaria a qualidade do ensino universitário. Obama, após o ensino básico, só freqüentou universidades integrantes da Ivory League, ou Ivy League, as melhores dos USA, nas quais obteve uma sólida formação profissional e um conhecimento amplo sobre humanidades. Seu desempenho se não foi o mais brilhante, pelo menos ficou entre os melhores, o que fez com que ele fosse o primeiro afro-descendente a ser eleito para a presidência da Harvard Law Review. Foi o ensino superior de qualidade que pavimentou seu caminho para o sucesso e ele conseguiu custeá-lo em parte com ajuda de familiares e amigos e em parte mediante empréstimos para estudantes. Este é um dado relevante. Não basta ter acesso à universidade. O importante é que sejam universidades diferenciadas. Algumas do Middle West e do sul não projetariam Obama da mesma forma.

Com relação ao seu governo, o mesmo re-estabelece uma tradição do partido democrata que elegeu presidentes com características de estadistas mais abertos, como Jimmy Carter e Bill Clinton. No momento Obama está sendo elogiado por Fidel Castro e por Hugo Chavez, o que é um bom sinal. Ainda é cedo para saber se enfrentará com determinação os lobbies dos judeus norte-americanos, que bloqueiam uma ação mais incisiva dos EEUU em favor da paz com dignidade para os palestinos no Oriente Médio, e do complexo industrial militar, que exige uma demanda governamental por novos armamentos de todo o tipo, a serem comercializados e testados por todo o mundo, criando uma dependência de tensões e conflitos regionais.

O fato de Obama ser negro amplia as expectativas de mudanças políticas e sociais, o que se explica pela história de sofrimentos a que a raça negra foi submetida em toda a América e na África. Contudo, como o conceito biológico de raça para explicar diferenças humanas não subsiste, não tem base científica uma vez que existe mais semelhança genética entre determinados grupos de negros e brancos que entre determinados grupos de brancos, não se pode concluir que por essa condição, ser negro, Obama será mais democrático e mais sensível às injustiças. Neste terreno, pertencer a esta ou aquela raça, não conta. Contam outros atributos decorrentes de formação, experiências de socialização e caráter. A história registra inúmeros exemplos de estadistas e militantes negros que muito fizeram pelo seu povo e pela humanidade como Selassié, Leopold Senghor, Mandela, Amílcar Cabral, Luther King, etc., mas também, registra tiranos como Papa Doc, Idi Amin Dada, Robert Mugabe, etc., que nada ficaram a dever aos piores ditadores de raça branca.


*Professor Titular da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia

terça-feira, 6 de abril de 2010

ARTIGO

SIGNIFICADO ATUAL DO SETOR NUCLEAR PARA O BRASIL

Anya Cabral*


O desenvolvimento do setor nuclear é hoje de extrema relevância na concepção estratégica de poder do Brasil. A opção nuclear engloba questões de autonomia energética e controle dos recursos energéticos, cuja disposição desigual leva a disputas internacionais. O controle da energia nuclear depende do desenvolvimento da tecnologia nuclear, tanto de prospecção de materiais radioativos, quanto de beneficiamento no processo do ciclo do combustível, mas também da tecnologia de geração de energia de origem nuclear que consiste numa gama complexa de produtos para construção e operação de usinas nucleares e centros de produção de radiofármacos, dentre outros. O uso bélico acirra a disputa pelo controle tecnológico da energia nuclear, ao limitar o acesso a essa tecnologia.

Detentor de reservas de minerais radioativos, o Brasil participa desde a década de 1940 do “mundo nuclear”. Essa posição, no entanto, não lhe garantiu vantagens no acesso à tecnologia nuclear, pelo contrário. O árduo caminho rumo à autonomia ainda não terminou, embora o Brasil já domine o ciclo do combustível.

A experiência brasileira mostrou que a tecnologia nuclear não se transfere e, enquanto o país se submeteu a acordos desiguais, primeiro com os Estados Unidos e depois com a Alemanha, pouco avançou no desenvolvimento tecnológico do setor. Esse avanço se deu quando, na ocasião do Programa Autônomo de Desenvolvimento de Tecnologia Nuclear, conhecido como Programa Nuclear Paralelo, o país optou por investir no desenvolvimento de tecnologia própria.

A retomada do Programa Nuclear Brasileiro, que contempla a expansão da participação da energia nuclear na matriz energética brasileira, a construção de um submarino nuclear e o desenvolvimento em escala industrial do ciclo do combustível, juntamente com o anúncio do Plano Nacional de Energia 2030; o Plano Nacional de Energia Elétrica 2030; e a Estratégia de Defesa Nacional, revela uma mudança no papel estratégico do setor nuclear na política brasileira. Trata-se de reativar o setor em todas as áreas, simultaneamente, inclusive com a reformulação da base institucional. O Brasil assiste ao ressurgimento do setor nuclear, não só por acompanhar a tendência mundial da expansão da energia nuclear para a produção de energia elétrica, mas considerando o “nuclear” como estratégico para firmar sua posição no cenário geopolítico internacional e regional.

O futuro do setor nuclear brasileiro depende, no entanto, da capacidade do governo em conduzir o desenvolvimento simultâneo de todas as áreas, assim como ocorreu nos Estados Unidos, durante a Segunda Guerra Mundial. Mas se a guerra criou as condições favoráveis para a direção do processo pelas Forças Armadas, conjuntamente com o governo estadunidense, estas condições não se repetem atualmente no Brasil.

Apesar de todas as atividades relacionadas à área nuclear serem da competência da União , a estrutura de poder no país explica, em parte, a dificuldade do governo em se posicionar perante o conflito entre os interesses públicos e privados, sobretudo em um país onde se promove a privatização de setores estratégicos. A flexibilização do monopólio do setor nuclear ensejada pelo setor privado, com a concordância de membros do setor público, coloca em risco a autonomia nuclear brasileira necessária para a consecução do plano cujos objetivos são atingir a auto-suficiência energética, contribuir para a defesa das reservas energéticas e da Amazônia e o desenvolvimento tecnológico.

Em ano eleitoral redobram as preocupações quanto à política nuclear, tendo em vista a descontinuidade recorrente dos programas de um governo para outro. No caso do setor nuclear esta descontinuidade pode levar a graves conseqüências. Não se pode apenas abandonar uma instalação nuclear. O processo de descomissionamento e, sobretudo, o gerenciamento dos rejeitos radioativos produzidos pode levar centenas ou milhares de anos.

Por último, não se trata de um posicionamento contra ou favor da utilização da energia nuclear, mas de reabrir o debate sobre o tema, por tanto tempo velado por uma aura de mistério.

*Diretora Administrativa do IPS

quarta-feira, 3 de março de 2010

ARTIGO

NÃO BASTA A RETOMADA DO CRESCIMENTO ECONOMICO*

Gilton Aragão**

Com a retomada do crescimento do produto interno em vários países surge também a esperança de que “tudo voltará a ser como antes”. E antes, tudo ia bem?

A crise financeira mundial, a partir da sua erupção mais visível, em setembro de 2008, decorreu de uma contradição estrutural, que não é exclusivamente econômico-financeira, abrangendo múltiplas áreas, inclusive a do meio ambiente.

Dentre os críticos da atual ordem econômica mundial, é quase um consenso a conclusão de que saíram desmoralizadas as principais teses do neoliberalismo, especialmente a auto-regulação e a eficiência do sistema e dos instrumentos financeiros sofisticados; trazendo de volta o debate sobre as formas alternativas de organização sócio-econômica das sociedades.

No Brasil, o governo federal tem divulgado que estamos indo muito bem e que somos o país que melhor enfrentou a crise, já que os números indicam a retomada do crescimento econômico. Entretanto, esses números são capazes de iludir. E quanto mais se aproximam as eleições, maior é a tentação de se produzir mensagens onde se exagera o positivo e se esconde o negativo.

O mercado interno brasileiro, embora venha crescendo, tem limites para esse crescimento e o mercado externo, basicamente a China e Estados Unidos, não é capaz de absorver todos os bens primários produzidos. A estratégia de vender comodities agrícolas e minerais se aproxima do esgotamento, independentemente do risco representado pela chamada “doença holandesa”, a desindustrialização provocada por esse apego à exportação de bens primários.

É preciso ainda decodificar os números regionais e estaduais para se ver, com clareza, a persistência das nossas debilidades. Observar por exemplo que, se mantido o ritmo e a natureza do crescimento brasileiro, continuarão as disparidades sócio-econômicas e o acesso precário das pessoas situadas nas camadas sociais de baixa renda à educação, saúde, saneamento e habitação. O aumento da renda baseado em sua maior parte nas transferências e ações assistencialistas não é consistente com um modelo sustentável de crescimento. O provisório não pode ser definitivo e a participação da remuneração do trabalho na renda nacional tem que voltar a crescer.

Revendo a reação do governo brasileiro frente à crise dá para distinguir três fases: a primeira, a subestimação ou a “marolinha”: o status quo foi mantido, especialmente a política monetária e seus elevados juros, embora medidas pontuais tenham sido implantadas, visando conter o desaquecimento da economia brasileira; a segunda, o reconhecimento ou o “caiu a ficha”: o governo assumiu a gravidade da crise, mudou o discurso, porem continuou adotando medidas pontuais; e a terceira, um novo modelo: quando decidiu adotar um novo modelo de desenvolvimento. Mas, esse grande desafio vai ficar para o próximo presidente.

De fato, um novo modelo implica em uma nova estratégia de desenvolvimento que tenha como ferramenta básica, o planejamento. Crescer sem planejar pode travar. Novos valores e novos paradigmas devem ser estabelecidos. Quantos automóveis, por exemplo, as estradas e ruas brasileiras suportam? Para adotar-se um novo modelo tem-se que partir de um diagnóstico que não se restrinja a exibir um quadro otimista no curto prazo, nem a manter a estratégia construída nos anos 90.

Esse novo modelo deve surgir depois de avaliada a gestão e os resultados dos últimos anos, nos quais a sociedade brasileira acumulou elementos para refletir sobre quais são as forças políticas que estarão em melhores condições, em todos os aspectos, para conduzir essa transformação.

Esse novo modelo deve também incentivar a melhoria do nível de organização e de participação da sociedade civil, a convergência de interesses, a “concertação” com efetivo diálogo social, e o desenvolvimento sócio-econômico, preservando o meio ambiente. Em essência, isto significa: implantação de medidas capazes de modificar a atual ordem de prioridades, com a valorização de projetos voltados para os pequenos e médios empreendimentos, especialmente os cooperativos e solidários.

* Artigo publicado no Boletim Informativo do IPS, em fevereiro de 2010
**Economista e Professor universitário.

domingo, 28 de fevereiro de 2010

SEMINÁRIO: HAITI EM FOCO: ALÉM DO TERREMOTO

No dia 10/03/2010, o IPS, através do Grupo REPI – Relações Políticas Internacionais, realizou o Seminário HAITI EM FOCO: HISTÓRIA E PERSPECTIVAS, voltado para seus sócios e demais interessados. O evento ocorreu na sede da UNIPESSOA no STIEP e contou com três grandes palestrantes: Dra. Juliette Robichez, professora de Direito internacional da FIB; Aloísio Fernandes, Capitão da Polícia Militar da Bahia e Fernando Pedrão, professor visitante da UFRB e Presidente do IPS.

A primeira palestra, a proferida pela Profª Juliette Robichez, tratou do direito internacional em geral; das normas que regem as relações entre países que formam blocos econômicos e das normas e princípios que regem a MINUSTAD – Missões das Nações Unidas.

A segunda foi a do Capitão Aloísio Fernandes, que tratou das questões políticas e operacionais da MINUSTAD – Missões das Nações Unidas em geral e especificamente, a missão atual no Haiti, comandada pelo Brasil.

Na terceira, a cargo do Prof. Pedrão, foram tratadas questões relativas às origens e especificidades do Haiti, ressaltando o fato desse país ser o primeiro a romper com o sistema colonialista francês e a fundar uma república independente, o que não foi suficiente para afastar do país a pobreza e o atraso. Comentou ainda o professor Pedrão o recente terremoto com seu número absurdo de vítimas, o que reflete a precariedade da infra-estrutura.

Antes do início dos debates foi apresentado pela Coordenação do Evento, com comentários da Profª Rafaela Ludolf, diretora de assuntos institucionais do IPS, um vídeo realizado por uma emissora de televisão mexicana, que mostra o terremoto recente e as perspectivas para a reconstrução do Haiti, com apoio internacional.

Aberto o debate, este contou com a intensa participação dos presentes e, apesar do horário avançado, foram levantadas questões polêmicas como a integração dos países latino-americanos e inevitavelmente, a natureza e os resultados da política externa brasileira, analisando-se o padrão de relacionamento com os demais países da América Latina.

Finalizando, o professor Pedrão declarou a sua satisfação com os resultados do evento em termos de número de participantes e do elevado nível dos assuntos tratados. Afirmou ainda que eventos como esse contribuem para tornar o IPS um centro de discussão de idéias e um espaço independente, a serviço do conhecimento científico.