sexta-feira, 20 de maio de 2011

Algo de estapafúrdio e de visionário


Gilton Aragão**


Em setembro de 2010 foi comemorado o aniversário de 60 anos da implantação em Salvador, nos bairros de Pero Vaz, Pau Miúdo e Caixa d'Água, do primeiro Centro Popular de Educação, idealizado por Anísio Teixeira e conhecido como Escola Parque. Esta foi a semente de um tipo de escola que influenciou muita gente. Os Cieps, implantados por Leonel Brizola e Darcy Ribeiro no Rio de Janeiro, por exemplo, tiveram uma assumida inspiração nos ideais e na obra de Anísio Teixeira.

O primeiro bloco de obras era composto por três escolas classe, que compunham o Centro Educacional Carneiro Ribeiro e pela Escola Parque destinada a abrigar todas as demais formas de construção plena da cidadania. Na solenidade da inauguração, realizada na Escola 2, no Pero Vaz, Anísio Teixeira em seu discurso, ao lado do Governador Otávio Mangabeira, afirmou que:

Desejamos dar, de novo, à escola primária, o seu dia letivo completo. Desejamos dar-lhe os seus cinco anos de curso. E desejamos dar-lhe seu programa completo de leitura, aritmética e escrita, e mais ciências físicas e sociais, e mais artes industriais, desenho, música, dança e educação física. Além disso, desejamos que a escola eduque, forme hábitos, forme atitudes, cultive aspirações, prepare, realmente, a criança para a sua civilização – esta civilização tão difícil por ser uma civilização técnica e industrial e ainda mais difícil e complexa por estar em mutação permanente. E, além disso, desejamos que a escola dê saúde e alimento à criança, visto não ser possível educá-la no grau de desnutrição e abandono em que vive. Teixeira (1959)

Essa era a síntese da sua proposta de escola em tempo integral e formadora da cidadania plena; uma idéia tão óbvia e tão simples que é inaceitável que até hoje permaneça pouco conhecida pela maioria dos brasileiros.

Anísio, com clareza, denunciava a precariedade e a falta de compromisso com que era tratada naquela época, a educação no país. Em suas palavras:

É contra essa tendência à simplificação destrutiva que se levanta este Centro Popular de Educação. Teixeira (1959).

Não existia sensibilidade para reconhecer o papel revolucionário da educação, tampouco empenho para mudar radicalmente o sistema educacional. Como uma profecia que lamentavelmente se confirmou, Anísio Teixeira corajosamente afirmava.

Tudo isso soa como algo de estapafúrdio e de visionário. Na realidade, estapafúrdios e visionários são os que julgam que se pode hoje formar uma nação pelo modo por que estamos destruindo a nossa. Teixeira (1959).

Na incrível atualidade das suas idéias, alertava para a necessidade da realização de um movimento da sociedade que conduzisse a sua transformação organizada sob uma ótica humanística e socializante.

Se uma sociedade, como a brasileira, em que se encontram ingredientes tão incendiáveis, como os das suas desigualdades e iniqüidades sociais, entra em mudança e agitação acelerada, sacudida por movimentos e forças econômicas e sociais que não podemos controlar, está claro que a mais elementar prudência nos manda ver e examinar as molas e instituições em que se funda essa sociedade, para reforçá-las ou melhorá-las, a fim de que suas estruturas não se rompam ao impacto produzido pela rapidez da transformação social. Teixeira (1959).

Não há dúvida que o seu objetivo era contribuir para transformar a sociedade e assim, alertava para o dever dos governantes de preparar os cidadãos para construir essa transformação.

Os habitantes deste bairro da Liberdade deixam um estágio anterior aos tempos bíblicos de agricultura e vida primitiva para imergirem em pleno báratro do século vinte. Ou organizamos para eles instituições capazes de lhes preparar os filhos para o nosso tempo, ou a sua intrusão na ordem atual terá o caráter das intrusões geológicas que subvertem e desagregam a ordem existente. O problema da educação é, por excelência, o problema de ordem e de paz no País. Daí, as linhas aparentemente exageradas em que o estamos planejando. Teixeira (1959).

A crítica de Anísio Teixeira continua válida nos dias atuais, como se vê a seguir.

O brasileiro não acredita que a escola eduque. E não acredita, porque a escola, que possui até hoje, efetivamente não educou. Veja-se, pois, em que círculo vicioso se meteu a nação. Improvisa escolas de todo jeito porque não acredita em escolas senão como formalidade social e para preencher formalidade de nada mais se precisa do que de funcionários que conheçam as fórmulas – e porque só tem escolas improvisadas e inadequadas não acredita que escolas possam ser as formadoras eficientes de uma ordem social. Teixeira (1959).

Nesses sessenta anos, excetuando-se o período da ditadura militar (1964-1985), a maior parte dos governantes brasileiros adotou um discurso favorável a que a educação exercesse o seu papel revolucionário, mas, na prática, foram modestos os resultados; longe daquilo que Anísio Teixeira propôs, começou a implantar e não permitiram que ele prosseguisse.

O individualismo, o consumismo desenfreado, o desapego a valores éticos, o baixo aproveitamento escolar, a violência endêmica, são alguns dos reflexos do descaso com a educação no Brasil.

Por que diante das várias evidências em todo o mundo, do caráter estratégico da educação para o alcance do desenvolvimento, no Brasil a educação é considerada como prioridade secundária? Quando a resposta for encontrada o Brasil estará perto de vencer o seu atraso.

A propósito do que se faz hoje pela Educação no Brasil, o novo Plano Nacional de Educação (PNE), em tramitação no Congresso Nacional, assume, explicitamente, que não existe independência sem educação de qualidade para todos e prevê como meta, alcançar até 2020 um investimento em Educação de 7% ano do Produto Interno Bruto (PIB), além de conceder ênfase na valorização do professor como eixo central.

Entretanto, pelo menos duas questões devem ser levantadas nesse PNE: a primeira: a meta de educação em tempo integral se limita a 50% das escolas públicas de educação básica; e a segunda: nesse âmbito, o realizado ficou sempre aquém do projetado, ao contrário das grandes obras empreitadas pelo Brasil afora, nas quais, o gasto final foi sempre superior ao projetado.

O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), por exemplo, é emblemático: apresenta baixo percentual de realizado, em confronto com o projetado. De fato, segundo o site “Contas Abertas”, o Tribunal de Contas da União (TCU) classificou em reunião realizada em novembro de 2010, os balanços quadrimestrais do PAC como precários e inconsistentes e, além disso, acrescenta que o ministro relator Raimundo Carreiro, afirmou que “Ao se observar os percentuais de execução físico-financeiro desses projetos, constata-se serem eles ainda modestos”.

Em síntese, o Brasil terá que fazer uma mobilização pela Educação maior do que os esforços convencionais projetados; terá que entender o que disse Anísio Teixeira e retomar, a tarefa de transformação do país pela educação, sem atalhos sinuosos e improdutivos.

*Publicado no Boletim do IPS de Janeiro de 2011
**Economista, professor universitário,
Vice Diretor do IPS
e ex-aluno da Escola Parque

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