domingo, 29 de agosto de 2010

ARTIGO

RACIONALIDADE LIMITADA E INCERTEZA NA PERSPECTIVA DE SIMON

*Cláudio Damasceno Pinto

Os trabalhos de Herbert Simon voltados, sobretudo, para a análise das organizações particularmente associada à grande firma capitalista fundamenta-se no processo de tomada de decisões no interior das organizações econômicas, estabelecendo um arcabouço analítico articulando economia e teoria organizacional possível de ser aplicado à administração pública e a diversos instrumentos de planejamento. Nesta perspectiva, seus estudos procuram demonstrar a fragilidade e o artificialismo da teoria neoclássica, a qual pressupõe a visão de informação completa e racionalidade substantiva dos agentes econômicos, com vistas à maximização de lucros da firma capitalista.

Neste sentido, as restrições que induzem as organizações para um cálculo econômico racional de natureza procedural encontra-se diretamente associada à questão da racionalidade dos agentes econômicos, a qual tem sido questionada há bastante tempo, em função dos pressupostos neoclássicos de que os agentes são dotados de racionalidade substantiva, admitindo-se que os mesmos possuem informação completa e tomam decisões racionais otimizadoras, visando a maximização de lucros da firma.

Ao contrário da perspectiva neoclássica de racionalidade substantiva, refutada pela falta de correspondência com a realidade prática dos mercados (caracterizados por autores não-neoclássicos por um ambiente imerso na incerteza e sujeito a inovações), as idéias de Herbert Simon (1970) as quais influenciaram a posteriori os trabalhos de North (1990) e Williamson (Teoria dos Custos de Transação) assumem um papel relevante na perspectiva da teoria econômica, destacando que os tomadores de decisão, ao contrário da visão neoclássica, estão longe de serem oniscientes, devido à existência de limitações em termos de conhecimento de todas as alternativas, incerteza acerca de eventos exógenos relevantes e incapacidade de calcular consequências e resultados de eventos futuros.

De acordo com Simon (1970), os seres humanos são intencionalmente racionais, mas apenas de forma limitada, possuindo um estoque limitado de informações e limitada capacidade de processamento em meio ao grande volume de informações e restrita capacidade cognitiva. Assim, as pessoas selecionam opções suficientemente boas ao invés de soluções ótimas. Essas soluções suficientemente boas, muitas vezes são encontradas por meio de pesquisa heurística na busca de possibilidades.

Diante das incertezas e complexidade do mundo econômico, de um lado, e da presença de gaps de informação e de competência, de outro, a racionalidade dos indivíduos se desloca dos objetivos em si (racional é a firma que maximiza lucros), para as ações (meios) efetivadas para a consecução de metas genéricas ou não estabelecidas. Neste caso, o conjunto de escolhas não é mais um dado do problema, mas sim uma variável: a questão é como construir um conjunto de escolhas, a ser atingido ao longo do tempo, e implantar um corpo de rotinas que assegure a existência de um processo de aprendizagem compatível com a obtenção de níveis de satisfação aceitáveis no tempo, na tradição das teorias gerencialistas e behavioristas. A racionalidade procedural, portanto, depende do processo que sustenta o comportamento do agente econômico, de modo que a ênfase é deslocada em si (Possas et al, 2002).

A incerteza sobre o comportamento das variáveis econômicas muitas vezes impede a ação racional dos agentes econômicos, não permitindo prever acontecimentos relevantes ou mesmo as conseqüências das ações de cada um. Em um ambiente de racionalidade limitada, os agentes procuram desenvolver formas organizacionais que permitam a tomada de decisão sem o conhecimento das variáveis relevantes. Neste sentido, a incerteza associada ao comportamento humano origina-se da falta de conhecimento para prever os eventos futuros, incapacidade de associar eventos a resultados por ausência de informações necessárias, residindo aí parte das explicações para a não previsão, por parte dos agentes econômicos, de crises cíclicas ocorridas na economia capitalista.

Ao contrário do que defendiam os neoclássicos, a incerteza permeia o ambiente econômico de tal maneira que o mercado não sinaliza tudo para as empresas. As decisões de investimento são realizadas num ambiente de incerteza, e as firmas não sabem, por exemplo, se, após uma possível inovação tecnológica ou organizacional por ela realizada, o mercado vai sancionar tal produto ou serviço, já que não existe o conhecimento total das informações mercadológicas.

Dada a constatação da existência de limitação de racionalidade, e de que os agentes econômicos são incapazes de antecipadamente prever e estabelecer medidas corretivas para qualquer evento que possa ocorrer quando da futura realização da transação, de modo que as partes envolvidas devem levar em consideração dificuldades decorrentes da compatibilização das suas condutas futuras e de garantir que os compromissos sejam honrados dentro da continuidade da sua interação. Neste contexto, as formas organizacionais adquirem importância na avaliação da eficiência econômica (Possas, 2002).

Sendo assim, as firmas estabelecem rotinas associadas à capacidade tecnológica e organizacional, essenciais para reduzir custos, aumentar a produtividade e melhorar a qualidade de produtos e processos cada vez mais racionalizados e eficientes.

Diante da existência de racionalidade limitada dos agentes econômicos Douglas North (1990) defende a utilização de uma racionalidade processual do tipo Herbert Simon, admitindo-se que a partir do momento em que os agentes não conhecem o mundo sobre o qual devem decidir, passam a construir realidades subjetivas dele e a atuar sob estas. Para este autor, racionalidade não significa atingir uma situação ótima, mas sim agir de maneira mais razoável possível na busca de determinados fins, dada a pobreza informacional.

Assim, considerando-se as restrições existentes para o cálculo de otimização e maximização lucros das firmas, torna-se necessário a decomposição do problema e a criação de rotinas gerais, visando facilitar a tomada de decisão do agente em ambientes econômicos imersos na incerteza, na complexidade e na limitação da capacidade cognitiva dos agentes. Defende-se a utilização de uma racionalidade processual difundida por Simon (1990), a qual se caracteriza como uma teoria do aprendizado comportamental que busca compreender o comportamento corrente de um ser humano em termos de sua experiência passada.

A escolha, portanto, fundamenta-se num repertório de padrões comportamentais, hábitos, rotinas e programas, de tal maneira que este repertório condensa a experiência passada do agente econômico, ou seja, as decisões tomadas no passado (soluções conhecidas) tem, portanto, forte influência sobre as possibilidades do presente, implicando em reações por parte dos agentes econômicos. Desta forma, de acordo com a experiência e aprendizado acumulado busca-se melhorar os dados, níveis informacionais e computacionais, diminuindo os erros de previsão e aumentando a flexibilidade e alternativas para a tomada de decisão em ambientes não-ergódigos (em que não há previsibilidade perfeita), não estacionário e sujeito a inovações.

Finalmente cabe aqui destacar a importância dos trabalhos de Simon, servindo de base e influenciando fortemente o desenvolvimento de trabalhos de cunho behaviorista, destacando o papel do aprendizado e da experiência, caracterizando a organização como unidades “racionalmente adaptativas” capacitadas para o aprendizado decorrente da experiência, além da relevante influência da obra de Simon, a partir do conceito de racionalidade limitada, no desenvolvimento da Teoria dos Custos de Transação, Teoria do Agente-Principal e da Teoria Evolucionista, mostrando claramente a correlação positiva entre as diversas teorias da firma, condicionado por um processo de evolução e contribuição das teorias econômicas para os avanços normativos e aplicativos no campo das ciências sociais, com vistas ao desenvolvimento de instrumentais analíticos visando estabelecer uma maior correspondência entre a teoria e o ambiente econômico na qual as firmas capitalistas encontram-se inseridas.


REFERÊNCIAS

CHANDLER Jr. A. O que é uma firma? Uma Perspectiva histórica. In: Cadernos de Economia. Textos Selecionados em Teoria da Firma. Universidade Federal do Espírito Santo, 1999

COASE, R. A natureza da firma.In: Cadernos de Economia. Textos Selecionados em Teoria da Firma. Universidade Federal do Espírito Santo, 1999.
FIANI, R. Estado e Economia no Institucionalismo de Douglas North. Revista de Economia Política, vol.23, n.2, abril-junho/2003
GALA, P. A Teoria Institucional de Douglas North. Revista de Economia Política, vol. 23 n.2, abr-jun, 2003
HODGSON, G. El Enfoque de la economia Institucional. In: Análisis Econômico,1998
KUPFER, David; HASENCLEVER, Lia. Economia industrial: fundamentos teóricos e práticos. 2.ed. Rio de Janeiro: Campus, 2002
NELSON, R. Por que as firmas diferem e qual a importância disso? In: As Fontes do Crescimento Econômico. Campinas: Unicamp,
NORTH, D. El desempeño económico a lo largo del tiempo. México: Fondo de Cultura Económica, 1994
NORTH, D. La teoría económica neo-institucionalista y el desarrollo latinoamericano. Barcelona: Instituto Internacional de Gobernabilidad, 1998
PELAEZ V; SZMRECSÁNYI, T. Economia da inovação tecnológica. São Paulo: Hucitec, 2006
POSSAS, M. L. et al. Ensaios sobre economia e direito da concorrência. São Paulo: Singular, 2002
POSSAS, S. Concorrência e competitividade: notas sobre estratégia e dinâmica seletiva na economia capitalista. São Paulo: Hucitec, 1999;
SIMON, H. A. A Agulha e o palheiro. In: Os filósofos do capitalismo, Capítulo 8.
SIMON, H. Limites da Racionalidade Substantiva. Teoria das Organizações. Rio de Janeiro: Fundação Getulio Vargas, 1970
TIGRE, P. Paradigmas tecnológicos e teorias econômicas da firma. RBI, vol 4, n.1, jan/junho, 2005
WILLIANSON, O. The Economic Institutions of Capitalism. London: Free Press, 1985