A GÊNESE POLÍTICA DE BARACK OBAMA E O PAPEL DE UMA UNIVERSIDADE DE EXCELÊNCIA
Amílcar Baiardi*
Diante de tanta perplexidade decorrente do fato de um afro-descendente chegar à Casa Branca, convém fazer um exercício sobre como isto se tornou possível e concordar com Mia Couto, quando afirma que Barack Obama, pelo que tem de democrático e plural, dificilmente seria eleito por um país africano e se fosse não tomaria posse ou seria deposto. Obama, muito além de ser o presidente que qualquer Estado nação merece, culto, sensível, ético, tolerante, sonhador, etc., por pertencer a uma minoria até pouco tempo atrás discriminada, cria expectativas extraordinárias e a sensação de que o mundo está mudando. Será isto verdade? O que está por trás deste fenômeno?
Se tivesse de indicar a primeira causa do acontecimento inusitado diria que Barack Obama se tornou presidente dos EEUU graças a uma determinante de primeira instância que foi sua mãe Stanley Ann Dunham, não somente pelo fato biológico de lhe ter concebido, mas pelo que significou em termos de ensinamentos e exemplos na linha da universalidade de valores como tolerância racial e religiosa e capacidade de se envolver em projetos de combate à pobreza e redução das desigualdades, tanto do ponto de vista teórico (uma tese de 800 páginas sobre os camponeses de Java) como prático (lutas sindicais em favor das mulheres e criação de instituições de micro-crédito). A estas características deve-se somar sua cultura hippie e sua disposição de ser iconoclasta, mandando às favas todos os preconceitos e fazendo sexo livremente, como deve ser, com homens de raças diferentes da sua, africano e asiático.
Como segunda causa mais importante indicaria o fato de Obama ser cidadão norte-americano e ter vivido na última década e feito carreira política nos EEUU setentrional. Ali, aonde chegaram os “pilgrims” do Mayflower, impregnados de valores religiosos separatistas e visões de mundo compartilhadas com os puritanos, que mais tarde levariam à experiência democrática e republicana de Cromwell, à crença nas possibilidades da ciência por meio de Francis Bacon e à valorização das liberdades individuais por meio de Locke. Os pilgrims fundaram uma nação baseada na propriedade agrícola familiar e no trabalho manual, por eles muito valorizados, e foram capazes de manter relações pacíficas com os povos indígenas. Neste ambiente cultural criavam-se oportunidades menos desiguais de ascensão social e se fomentava o ensino, entre eles o ensino universitário. Estas visões de mundo, somadas ao ascetismo que favorecia a poupança e a acumulação primitiva, levaria à prosperidade, a um tecido social coeso e à formação do core competence da nação americana. Nele não havia lugar para a escravidão colonial e este território setentrional americano não hesitou, mesmo diante do risco de divisão do país, de guerrear o sul escravista, cuja organização econômica se baseava na plantation.
Este retrato da dinâmica histórica do território setentrional norte americano que passou a ser definido pelos historiadores do econômico como o modelo de colonização de povoamento, é o oposto ao que os colonos portugueses fizeram no Brasil, que nasce sob a égide da plantation açucareira, funcional ao capitalismo mercantil e labour intensive como sistema econômico. Como os valores fidalgos da Península Ibérica rejeitavam o risco e o trabalho manual e diante da inexistência de excedentes populacionais, buscou-se a equação alocativa de fatores produtivos mais óbvia: suprir o trabalho por meio da escravidão mesmo que isso significasse a destruição de nações tribais e a restauração de relação de trabalho que se supunha superada, instituindo o opróbio e a destruição física de populações. O que havia de mais atrasado na Europa enquanto instituições, os Estados e as sociedades da Península Ibérica, inventam a colônia de exploração e o escravismo colonial na América.
As conseqüências da escravidão para o Brasil, latifúndio, exclusão social e oportunidades desiguais de ascensão social, só seriam melhor avaliadas pelas gerações futuras, como disse Joaquim Nabuco. Destarte, não só Obama teria pouca viabilidade na África, como no Brasil também.
Como terceira causa mais importante indicaria a qualidade do ensino universitário. Obama, após o ensino básico, só freqüentou universidades integrantes da Ivory League, ou Ivy League, as melhores dos USA, nas quais obteve uma sólida formação profissional e um conhecimento amplo sobre humanidades. Seu desempenho se não foi o mais brilhante, pelo menos ficou entre os melhores, o que fez com que ele fosse o primeiro afro-descendente a ser eleito para a presidência da Harvard Law Review. Foi o ensino superior de qualidade que pavimentou seu caminho para o sucesso e ele conseguiu custeá-lo em parte com ajuda de familiares e amigos e em parte mediante empréstimos para estudantes. Este é um dado relevante. Não basta ter acesso à universidade. O importante é que sejam universidades diferenciadas. Algumas do Middle West e do sul não projetariam Obama da mesma forma.
Com relação ao seu governo, o mesmo re-estabelece uma tradição do partido democrata que elegeu presidentes com características de estadistas mais abertos, como Jimmy Carter e Bill Clinton. No momento Obama está sendo elogiado por Fidel Castro e por Hugo Chavez, o que é um bom sinal. Ainda é cedo para saber se enfrentará com determinação os lobbies dos judeus norte-americanos, que bloqueiam uma ação mais incisiva dos EEUU em favor da paz com dignidade para os palestinos no Oriente Médio, e do complexo industrial militar, que exige uma demanda governamental por novos armamentos de todo o tipo, a serem comercializados e testados por todo o mundo, criando uma dependência de tensões e conflitos regionais.
O fato de Obama ser negro amplia as expectativas de mudanças políticas e sociais, o que se explica pela história de sofrimentos a que a raça negra foi submetida em toda a América e na África. Contudo, como o conceito biológico de raça para explicar diferenças humanas não subsiste, não tem base científica uma vez que existe mais semelhança genética entre determinados grupos de negros e brancos que entre determinados grupos de brancos, não se pode concluir que por essa condição, ser negro, Obama será mais democrático e mais sensível às injustiças. Neste terreno, pertencer a esta ou aquela raça, não conta. Contam outros atributos decorrentes de formação, experiências de socialização e caráter. A história registra inúmeros exemplos de estadistas e militantes negros que muito fizeram pelo seu povo e pela humanidade como Selassié, Leopold Senghor, Mandela, Amílcar Cabral, Luther King, etc., mas também, registra tiranos como Papa Doc, Idi Amin Dada, Robert Mugabe, etc., que nada ficaram a dever aos piores ditadores de raça branca.
*Professor Titular da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia
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