NÃO BASTA A RETOMADA DO CRESCIMENTO ECONOMICO*
Gilton Aragão**
Com a retomada do crescimento do produto interno em vários países surge também a esperança de que “tudo voltará a ser como antes”. E antes, tudo ia bem?
A crise financeira mundial, a partir da sua erupção mais visível, em setembro de 2008, decorreu de uma contradição estrutural, que não é exclusivamente econômico-financeira, abrangendo múltiplas áreas, inclusive a do meio ambiente.
Dentre os críticos da atual ordem econômica mundial, é quase um consenso a conclusão de que saíram desmoralizadas as principais teses do neoliberalismo, especialmente a auto-regulação e a eficiência do sistema e dos instrumentos financeiros sofisticados; trazendo de volta o debate sobre as formas alternativas de organização sócio-econômica das sociedades.
No Brasil, o governo federal tem divulgado que estamos indo muito bem e que somos o país que melhor enfrentou a crise, já que os números indicam a retomada do crescimento econômico. Entretanto, esses números são capazes de iludir. E quanto mais se aproximam as eleições, maior é a tentação de se produzir mensagens onde se exagera o positivo e se esconde o negativo.
O mercado interno brasileiro, embora venha crescendo, tem limites para esse crescimento e o mercado externo, basicamente a China e Estados Unidos, não é capaz de absorver todos os bens primários produzidos. A estratégia de vender comodities agrícolas e minerais se aproxima do esgotamento, independentemente do risco representado pela chamada “doença holandesa”, a desindustrialização provocada por esse apego à exportação de bens primários.
É preciso ainda decodificar os números regionais e estaduais para se ver, com clareza, a persistência das nossas debilidades. Observar por exemplo que, se mantido o ritmo e a natureza do crescimento brasileiro, continuarão as disparidades sócio-econômicas e o acesso precário das pessoas situadas nas camadas sociais de baixa renda à educação, saúde, saneamento e habitação. O aumento da renda baseado em sua maior parte nas transferências e ações assistencialistas não é consistente com um modelo sustentável de crescimento. O provisório não pode ser definitivo e a participação da remuneração do trabalho na renda nacional tem que voltar a crescer.
Revendo a reação do governo brasileiro frente à crise dá para distinguir três fases: a primeira, a subestimação ou a “marolinha”: o status quo foi mantido, especialmente a política monetária e seus elevados juros, embora medidas pontuais tenham sido implantadas, visando conter o desaquecimento da economia brasileira; a segunda, o reconhecimento ou o “caiu a ficha”: o governo assumiu a gravidade da crise, mudou o discurso, porem continuou adotando medidas pontuais; e a terceira, um novo modelo: quando decidiu adotar um novo modelo de desenvolvimento. Mas, esse grande desafio vai ficar para o próximo presidente.
De fato, um novo modelo implica em uma nova estratégia de desenvolvimento que tenha como ferramenta básica, o planejamento. Crescer sem planejar pode travar. Novos valores e novos paradigmas devem ser estabelecidos. Quantos automóveis, por exemplo, as estradas e ruas brasileiras suportam? Para adotar-se um novo modelo tem-se que partir de um diagnóstico que não se restrinja a exibir um quadro otimista no curto prazo, nem a manter a estratégia construída nos anos 90.
Esse novo modelo deve surgir depois de avaliada a gestão e os resultados dos últimos anos, nos quais a sociedade brasileira acumulou elementos para refletir sobre quais são as forças políticas que estarão em melhores condições, em todos os aspectos, para conduzir essa transformação.
Esse novo modelo deve também incentivar a melhoria do nível de organização e de participação da sociedade civil, a convergência de interesses, a “concertação” com efetivo diálogo social, e o desenvolvimento sócio-econômico, preservando o meio ambiente. Em essência, isto significa: implantação de medidas capazes de modificar a atual ordem de prioridades, com a valorização de projetos voltados para os pequenos e médios empreendimentos, especialmente os cooperativos e solidários.
* Artigo publicado no Boletim Informativo do IPS, em fevereiro de 2010
**Economista e Professor universitário.
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