terça-feira, 1 de junho de 2010

ARTIGO

A BUSCA DE UMA VISÃO INTEGRADA DA EXPERIÊNCIA SOCIAL

Heron Albergaria*


As crises carregam consigo todo um ingrediente de negação e revelação. Por meio das crises surgem circunstâncias inusitadas que, ao negarem certos aspectos do curso histórico imediatamente anterior, acabam por revelar facetas até então pouco sintetizadas da totalidade social. Em virtude da crise mundial cujo estopim de propagação foi deflagrado em setembro de 2008, parece consensual que o movimento histórico tenha voltado a alvejar algumas referências do pensamento liberal. Com efeito, pelo menos é possível afirmar que ele fez cambalear a conhecida presunção de racionalidade no comportamento conjunto dos agentes econômicos.

No entanto, o colapso nas premissas de uma determinada linha interpretativa não elege, como simples correia de transmissão automática, as premissas das demais, muito embora possa realmente adubar seu revigoramento. Tal qual ocorrido na crise de 1929, é pouco provável que os eventos em 2008 cheguem a solapar os itens atingidos do liberalismo, pois, sua sobrevida jamais esteve sustentada por fios meramente factuais. Então, faz-se mesmo necessário prosseguir revendo as condições atuais de validade do pensamento crítico à ordem liberal.

A atualização das categorias teóricas, ou seja, a reconstituição crítica dos fundamentos com os quais se trabalha, é um componente essencial da atividade científica. Sua tarefa é, como vem aqui ao caso, reavaliar os níveis de compatibilidade entre o arcabouço teórico assumido como referência e a interpretação das transformações historicamente observáveis na realidade social. Se consistente, as idas e vindas nesse instigante e árduo trabalho podem efetivamente recompor os alicerces da leitura crítica para reorientar os horizontes da pesquisa aplicada.

Isso não é algo que se faça apenas por escolha metodológica. O desenvolvimento recente nas condições técnicas da pesquisa científica vem revolucionando constantemente as bases da ciência moderna. As revelações obtidas, por exemplo, pelo campo da física quântica, da biogenética, das interações nos fenômenos ambientais, ou da arqueologia estão redefinindo os parâmetros de adequação de bases conceituais sobre as quais as próprias ciências da natureza e da sociedade foram progressivamente edificadas. A irreversibilidade extraída em Prigogine/Stengers, o acaso em Monod, a incerteza em Heisenberg, a convergência em Capra, a metamorfose nas classes sociais em Chico de Oliveira, a emergência das transições paradigmáticas em Boaventura Santos, dentre outros, são testemunho disso. Extrai-se daí um reconhecimento notório da necessidade de atualização do aparato teórico.

Os filósofos gregos da antiguidade ficariam perplexos se soubessem a quê tantos avanços nos conduziram. Tão enraizada na ciência moderna, a departamentalização do conhecimento aparenta sinais de exaustão face o desenvolvimento científico que ajudou a proporcionar. Esses sinais ainda estão sendo assimilados pelos centros de estudo. Seu desafio é recondicionar o seu caminhar durante a própria caminhada, para torná-la apta às próximas jornadas.

* Economista, Mestre em desenvolvimento regional, Membro do Conselho Fiscal do IPS

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