Fernando Pedrão*
O século XX trouxe diversas manifestações de rejeição por formas integradas, discursos unificantes, visões de síntese. As diversas explosões de descontentamento com a regra unificada, em estética, em política, em economia, em arquitetura, e que ficaram com o apodo de pós-modernismo, deixaram um imenso vazio entre o universo das aparências despedaçadas e o mundo das verdades essenciais, das situações inevitáveis. No essencial, uma absorção do que o mundo da civilização industrial avançada se defronta em termos de fragmentação, perda de continuidade entre raízes e ramificações. O primeiro paradigma imperial do mundo industrial, o britânico, enfrenta dificuldades crescentes desde a primeira grande guerra e assume uma estratégia mundial defensiva, enquanto o poderio ascendente norte-americano utiliza uma linguagem de anti-império executa sua primeira grande aventura com a guerra contra a Espanha. As ideologias acompanham as vicissitudes do poder. A arte reflete o mundo internamente quebrado através do cubismo, do dadaísmo e do surrealismo. Expõe-se a distância entre o mundo dos ricos perplexos e enfastiados e o dos pobres impacientes. Configura-se a diferença entre o modo de pensar das nações que se sentem proprietárias do mundo, com direito a intrometerem-se nas demais e as que não desejam patrocínio e rejeitam intervenções de quaisquer tipos.
Nessas condições, parece fácil confrontar com o mundo da ordem imposta, das metodologias enquadradas e dos movimentos simétricos, quando o debate de método se coloca além dos problemas prosaicos da sobrevivência. O mundo pós-moderno torna-se aséptico, desligado de conflitos sociais. Um mundo sem processos de exclusão, sem pessoas gravemente pobres, incuravelmente excluídas. Nele se encontram economistas fascinados com Harvard – já não com Cambridge – sociólogos em dúvida entre sua filiação a Paris ou a Duke, arquitetos tensionados entre a estética veneziana ou o vidro e aço norte-americano. O mundo mecanicamente moderno é exclusivamente europeu e não consegue se transferir para a América em geral, sem absorver os diversos modos de separação dos projetos coloniais - espanhol, português, holandês, inglês - com suas diversas estratégias de separação. Se o modernismo na Europa é uma representação da unidade da sociedade do capital, na América ele carrega todas as contradições inerentes a estas sociedades novas. Na América as culturas saxônicas e latinas carregam diferentes modos de tratar com o passado e praticamente se dividem entre as que querem acertar contar com um determinado passado e as que simplesmente negam que haja um passado ou que ele seja relevante.
A visão de mundo posterior à unidade compromete a capacidade do império para exercer seu papel imperial. Os Estados Unidos fazem muito para desempenhar esse papel que historicamente lhes coube. Mas ressentem, por um lado de falta de sofisticação para lidar com nações velhas e manhosas e por outro lado, pelo lastro representado por seu fundamento puritano e racista explícito. Aderindo a uma filosofia individualista de vida e com uma homogeneização de linguagem privada para a vida pública, os Estados Unidos encontram-se com aliados temporários capazes de manejar suas atuações políticas com o cinismo necessário para proteger seus interesses de classe. O individualismo torna-se inoperante para decodificar perfis de comportamento político determinados por combinações de posições de classe com privilégios estamentais, negados e operantes. O pragmatismo, as estratégias corporativas, a paranóia da gestão, desenvolvem-se na superfície de problemas derivados dos processos de poder, econômico e político. Uma filosofia que rejeita o fundamento ontológico de problemas que reduz a comportamentos, a estudos de caso.
A verdade é que o pós-modernismo, com suas diversas variantes, tornou-se cansativo. Há agora um imperativo categórico que não é somente ético, como queria Kant, mas que é ideológico e ontológico. Com a denúncia do irracionalismo e o foco em uma ontologia do ser social Lukács marcou um caminho que vai à raiz dos problemas de identidade das nações não centrais. Não precisamos dizer que rejeitamos o pragmatismo e a pós-modernidade porque nossa presença já é uma negação suficiente daquelas autoridades.
A acumulação de contradições mostra como a “fortaleza” Europa é um iceberg que desmorona pelo sul. O discurso europeu da pós-modernidade perde validez na própria Europa antes de chegar seriamente à América do Norte. Nós outros, de toda a extensão do sul, caminhamos para novas situações estruturais sem termos mais que nos preocuparmos com as novas roupagens do colonialismo inercial da Europa.
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